Cresci em um loteamento no Guarujá,
próximo à praia do Perequê. Era um lugar mágico, com ruas de terra batida,
cercado de morros, bichos e plantas.
Lá, meu avô João e meu pai construíram
uma casa avarandada de tijolos a vista, onde vivi o melhor da minha vida.
Nos dias de verão, vô João levantava
cedo para preparar a pescaria. Passava horas montando as varas com um cuidado
de fazer gosto. Linha, bóia, chumbada e anzol....
Ao final de cada vara queimava o nó de
marinheiro perto do anzol com a ponta do seu cigarro (LS, se não me engano...).
Depois, amarrava trapinhos de pano sobre as pontas, para evitar que as crianças
machucassem as mãos, no caminho até canal.
Logo ele, que era rei em prender os
dedos em portas e se cortar com facas e ferramentas, repetia aquele ritual com
a cautela de um monge.
O velho João era um homem simples de
poucas palavras e carinhos. Um metalúrgico que enfrentou a guerra e a depressão
e deixou para as filhas uma casa pequena, com banheiro do lado de fora e um
poço no quintal.
Éramos pelo menos umas 20 crianças
entre primos, vizinhos e amigos – muitos amigos. Seguíamos a estrada caminhando
pelo acostamento até aquela ponte onde nos aglomerávamos, em busca de manjubas
fáceis de pescar.
João permanecia com sua varinha em um
canto que era só dele e adorava fisgar peixes mais graúdos com os quais brigava
levando a linha de um lado para o outro e sorrindo orgulhoso.
Ao final, dava a ordem para enrolar a
linha no bambu.
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Protejam
os anzóis, que não quero ver ninguém machucado – dizia meu avô.
Em casa, vô Neta preparava a fritada e
todos comíamos contando mentiras sobre o número de peixes pescados.
Com meu avô aprendi essa e outras
lições simples de integridade e cuidado com as pessoas. Ainda amarro os meus
trapinhos para evitar que a minha filha machuque as mãos.
Cuidar e proteger são verbos que
perderam a vez no vocabulário contemporâneo. Vozes alteradas, palavras duras,
desmesuras e grosserias de toda ordem permeiam a sociedade de uma forma
desconcertante.
Ninguém cuida de ninguém. Vivemos em
um mundo deselegante com pontas de anzóis espalhadas por todo lado e pessoas se
transformando em armadilhas humanas, prestes a fisgar almas desprevenidas.
Meu avô tinha uma elegância toda
própria. Cuidadoso e gentil, ensinou-me que o cavalheirismo é um prazer, um
jeito de ser, não um capricho, tampouco um fardo.
Vez ou outra, vô João visita os meus
sonhos e repete a lição!
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Protejam
os anzóis!
Obrigado, meu avô e que Deus nos
proteja a todos!!!
Meu querido e eterno Roninho,
ResponderExcluirTive o privilégio de fazer parte deste lugar mágico, com o nome de "Nana" para você!
Com certeza, de onde o nosso querido avô estiver, está orgulhoso de ter um neto que herdou a elegência, o cuidado, a gentileza e o cavalheirismo dele. Cada vez que leio este texto lindíssimo, fico lembrando daqueles momentos com lágrimas nos olhos e muita saudade.
Amo você muito, muito, muito...
Nana, querida!
ResponderExcluirObrigado pelo carinho... O vô deve estar assoviando uma linda valsa pra gente...
beijos