sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Protejam os anzóis!




Cresci em um loteamento no Guarujá, próximo à praia do Perequê. Era um lugar mágico, com ruas de terra batida, cercado de morros, bichos e plantas.

Lá, meu avô João e meu pai construíram uma casa avarandada de tijolos a vista, onde vivi o melhor da minha vida.

Nos dias de verão, vô João levantava cedo para preparar a pescaria. Passava horas montando as varas com um cuidado de fazer gosto. Linha, bóia, chumbada e anzol....

Ao final de cada vara queimava o nó de marinheiro perto do anzol com a ponta do seu cigarro (LS, se não me engano...). Depois, amarrava trapinhos de pano sobre as pontas, para evitar que as crianças machucassem as mãos, no caminho até canal.

Logo ele, que era rei em prender os dedos em portas e se cortar com facas e ferramentas, repetia aquele ritual com a cautela de um monge.

O velho João era um homem simples de poucas palavras e carinhos. Um metalúrgico que enfrentou a guerra e a depressão e deixou para as filhas uma casa pequena, com banheiro do lado de fora e um poço no quintal.

Éramos pelo menos umas 20 crianças entre primos, vizinhos e amigos – muitos amigos. Seguíamos a estrada caminhando pelo acostamento até aquela ponte onde nos aglomerávamos, em busca de manjubas fáceis de pescar.

João permanecia com sua varinha em um canto que era só dele e adorava fisgar peixes mais graúdos com os quais brigava levando a linha de um lado para o outro e sorrindo orgulhoso.
Ao final, dava a ordem para enrolar a linha no bambu.

-          Protejam os anzóis, que não quero ver ninguém machucado – dizia meu avô.

Em casa, vô Neta preparava a fritada e todos comíamos contando mentiras sobre o número de peixes pescados.

Com meu avô aprendi essa e outras lições simples de integridade e cuidado com as pessoas. Ainda amarro os meus trapinhos para evitar que a minha filha machuque as mãos.

Cuidar e proteger são verbos que perderam a vez no vocabulário contemporâneo. Vozes alteradas, palavras duras, desmesuras e grosserias de toda ordem permeiam a sociedade de uma forma desconcertante.

Ninguém cuida de ninguém. Vivemos em um mundo deselegante com pontas de anzóis espalhadas por todo lado e pessoas se transformando em armadilhas humanas, prestes a fisgar almas desprevenidas.

Meu avô tinha uma elegância toda própria. Cuidadoso e gentil, ensinou-me que o cavalheirismo é um prazer, um jeito de ser, não um capricho, tampouco um fardo.

Vez ou outra, vô João visita os meus sonhos e repete a lição!

-          Protejam os anzóis!

Obrigado, meu avô e que Deus nos proteja a todos!!!

2 comentários:

  1. Meu querido e eterno Roninho,
    Tive o privilégio de fazer parte deste lugar mágico, com o nome de "Nana" para você!
    Com certeza, de onde o nosso querido avô estiver, está orgulhoso de ter um neto que herdou a elegência, o cuidado, a gentileza e o cavalheirismo dele. Cada vez que leio este texto lindíssimo, fico lembrando daqueles momentos com lágrimas nos olhos e muita saudade.
    Amo você muito, muito, muito...

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  2. Nana, querida!
    Obrigado pelo carinho... O vô deve estar assoviando uma linda valsa pra gente...
    beijos

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