Se pudesse nascer novamente, nasceria na pequena São Caetano
do Sul, terra de sotaque italiano e hábitos singelos. Ocuparia um dos quartos
daquele sobrado na rua Joaquim Nabuco, número 38.
Ali brincaria na enxurrada, aprenderia a empinar pipas, disputar
barra-bandeira, balança caixão e xiniqueiro livre....
Um pouco mais tarde, me encantaria com Tania, menina cor de
jambo e sorriso faceiro. Com ela também aprenderia a beijar, esse exercício nobre
que dá graça e sentido a existência.
Escolheria como pai um jovem empresário, filho de italianos,
de nome Valter. Sujeito de bom coração e cheio de ideias. Homem-chão-de-fábrica
que entendia a vida a partir das engenhocas nas suas linhas de montagem - de
presunto a papel serrilhado, passando por mortadelas, carnes de cavalo e
lamparinas de óleo.
Como mãe, se pudesse escolher, minha opção seria por aquela
bela moça com dentes separados e corpinho violão. Mesmo um pouco brava, nenhuma
outra mulher seria tão forte e capaz de ensinar princípios e valores para uma
criança. Não à toa, ganhou nome de aviadora, a corajosa Helen.
Com ela como mãe ganharia de brinde meu maior ídolo: um
elegante e esguio metalúrgico, pescador de mão cheia, de peixes e almas... Ahh
que avô elegante eu teria... Sua esposa, prendada, rechearia meus primeiros
anos com bolinhos de chuva, crostolis, massas, carnes e doces.
Ah se pudesse, não perderia um algodão doce, um
quebra-queixo e até assistiria aquela bandinha sem graça como se fosse uma
orquestra, nas tardes de domingo da rua Tenente Antonio João.
Filho de Helen, seria automaticamente sobrinho de dona Edna,
com suas incríveis pizzas de frigideira e festas nos quintal. Poderia até subir
na boleia do caminhão do seu esposo, o tio Ricardo e revirar Guarujá, Santos e
Bertioga...
Sim, sim, se pudesse escolher, construiria uma casa de praia
com tijolos a vista, varanda farta cheia de redes, escancarada para amigos que
ali tocariam no violão as mais belas canções dos anos 70.
Os outros dois filhos de Helen e Valter, esses caras de
sorte, cuidariam de mim, até porque, não sou bobo: se pudesse escolher,
nasceria caçula e assim permaneceria invicto até os 18 anos, esgotados os
dengos e afetos das duas primas: Eliana (que eu chamaria de Tata) e Silvana (e
suas histórias engraçadas, namoricos e emoções).
Aprenderia as primeiras letras no Sagrada Família, com as
tias Jane, Teresinha, Carminha e Tania. Todas lindas - só escolheria
professoras bonitas, verdadeiras inspirações que me fariam gostar da escola e,
quem sabe, tornar-me professor.
Garoto um pouco mais velho, descobriria São Paulo, com seus
Shoppings, restaurantes, prédios e perigos.
Ali por Moema, não deixaria de conhecer uma certa menina
brava, de olhos claros, filha de um senhor que me metia medo. Frequentaria ao
seu lado todas as festas de 15 anos, bailando valsas cafonas pra depois cair na
pista de dança. Tenho certeza que a pequena Ana Lucia, teria tudo para se
tornar uma das minhas melhores amigas...
Se pudesse escolher, ficaria muito indeciso na hora do
vestibular, titubeando entre Relações Públicas, Agronomia e Biologia (só para
trabalhar no Instituto Biológico). Mas, tenho certeza, acabaria mesmo
escolhendo o Jornalismo.
E mesmo que não fosse a melhor escolha, conheceria durante a
faculdade amigos como Duda e Rogério que guardaria pelo resto dos meus dias.
Ao lado desses caras, com seus conselhos e piadas precisas,
descobriria o mundo dos adultos, vivendo, tentando e me apaixonando
perdidamente, sofrendo desesperadamente, para depois amar de novo.
Mas, teria todo o cuidado para escolher aquela que seria a
coautora do meu maior feito: a filha dos sonhos com seus cabelos dourados,
linda, educada e inteligente... Encantaria a todos e se chamaria Luísa, assim
com “s” e acento no i. Por essa pequena, seríamos eternos e gratos amigos até o
fim dos nossos dias.
Se pudesse escolher um lugar para trabalhar recusaria
escritórios fechados e tristes. Escolheria um grande jardim, cheio de obras de
arte e gente boa, com quem pudesse conversar e aprender a cada dia.
A cidade que escolheria para viver teria um misto de boemia
e um ar interiorano, com cheiro de pão-de-queijo, uma boa cachaça e casas
acolhedoras. Belo Horizonte, seria uma ótima escolha.
Lá, em uma bela manhã de domingo, depois de ver o meu time
do coração sagrar-se campeão mundial, tomaria champanhe ao lado da minha amada.
Ahhh se pudesse escolher uma mulher para passar o resto dos
meus dias, ela teria olhinhos apertados, um biquinho assim todo próprio e
prestaria atenção nas minhas bobagens. Seria aquela garota que esbarrou no meu
ombro, nos anos 80, mas me achou muito moleque naquela noite que nunca existiu.
Que bom que assim foi, pois seu desdém me daria a chance de uma escolha madura.
A mulher da minha vida teria um jeito discreto de acalentar
minha alma. Mesclaria sua doçura, com firmeza e decisão nos momentos certos.
Teria, como eu, o trabalho como pedra-de-toque na vida. E, também como eu,
buscaria na vida o que ela tem de mais gostoso e prazeroso.
A se eu pudesse escolher...
Escolheria fazer tudo de novo, assim sem tirar nem pôr.
Deixaria de lado apenas as minhas omissões e viveria exatamente o que eu vivi.
Encontraria um tempo para agradecer tudo o que a vida me
deu. Porque acredito, firmemente, que sou o resultado das minhas escolhas, nada
mais, nada menos.
Quando essa aventura terminar, derramarei no mundo meu
caldeirão de escolhas, com o perdão daqueles que fiz chorar e as lágrimas de
outros tantos que fiz sorrir. Mas, nenhuma, nenhuma gota de arrependimento!