quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Epitáfio de escolhas...





Se pudesse nascer novamente, nasceria na pequena São Caetano do Sul, terra de sotaque italiano e hábitos singelos. Ocuparia um dos quartos daquele sobrado na rua Joaquim Nabuco, número 38.

Ali brincaria na enxurrada, aprenderia a empinar pipas, disputar barra-bandeira, balança caixão e xiniqueiro livre....

Um pouco mais tarde, me encantaria com Tania, menina cor de jambo e sorriso faceiro. Com ela também aprenderia a beijar, esse exercício nobre que dá graça e sentido a existência.

Escolheria como pai um jovem empresário, filho de italianos, de nome Valter. Sujeito de bom coração e cheio de ideias. Homem-chão-de-fábrica que entendia a vida a partir das engenhocas nas suas linhas de montagem - de presunto a papel serrilhado, passando por mortadelas, carnes de cavalo e lamparinas de óleo.

Como mãe, se pudesse escolher, minha opção seria por aquela bela moça com dentes separados e corpinho violão. Mesmo um pouco brava, nenhuma outra mulher seria tão forte e capaz de ensinar princípios e valores para uma criança. Não à toa, ganhou nome de aviadora, a corajosa Helen.

Com ela como mãe ganharia de brinde meu maior ídolo: um elegante e esguio metalúrgico, pescador de mão cheia, de peixes e almas... Ahh que avô elegante eu teria... Sua esposa, prendada, rechearia meus primeiros anos com bolinhos de chuva, crostolis, massas, carnes e doces.

Ah se pudesse, não perderia um algodão doce, um quebra-queixo e até assistiria aquela bandinha sem graça como se fosse uma orquestra, nas tardes de domingo da rua Tenente Antonio João.

Filho de Helen, seria automaticamente sobrinho de dona Edna, com suas incríveis pizzas de frigideira e festas nos quintal. Poderia até subir na boleia do caminhão do seu esposo, o tio Ricardo e revirar Guarujá, Santos e Bertioga...

Sim, sim, se pudesse escolher, construiria uma casa de praia com tijolos a vista, varanda farta cheia de redes, escancarada para amigos que ali tocariam no violão as mais belas canções dos anos 70.

Os outros dois filhos de Helen e Valter, esses caras de sorte, cuidariam de mim, até porque, não sou bobo: se pudesse escolher, nasceria caçula e assim permaneceria invicto até os 18 anos, esgotados os dengos e afetos das duas primas: Eliana (que eu chamaria de Tata) e Silvana (e suas histórias engraçadas, namoricos e emoções).

Aprenderia as primeiras letras no Sagrada Família, com as tias Jane, Teresinha, Carminha e Tania. Todas lindas - só escolheria professoras bonitas, verdadeiras inspirações que me fariam gostar da escola e, quem sabe, tornar-me professor.

Garoto um pouco mais velho, descobriria São Paulo, com seus Shoppings, restaurantes, prédios e perigos.

Ali por Moema, não deixaria de conhecer uma certa menina brava, de olhos claros, filha de um senhor que me metia medo. Frequentaria ao seu lado todas as festas de 15 anos, bailando valsas cafonas pra depois cair na pista de dança. Tenho certeza que a pequena Ana Lucia, teria tudo para se tornar uma das minhas melhores amigas...

Se pudesse escolher, ficaria muito indeciso na hora do vestibular, titubeando entre Relações Públicas, Agronomia e Biologia (só para trabalhar no Instituto Biológico). Mas, tenho certeza, acabaria mesmo escolhendo o Jornalismo.

E mesmo que não fosse a melhor escolha, conheceria durante a faculdade amigos como Duda e Rogério que guardaria pelo resto dos meus dias.

Ao lado desses caras, com seus conselhos e piadas precisas, descobriria o mundo dos adultos, vivendo, tentando e me apaixonando perdidamente, sofrendo desesperadamente, para depois amar de novo.

Mas, teria todo o cuidado para escolher aquela que seria a coautora do meu maior feito: a filha dos sonhos com seus cabelos dourados, linda, educada e inteligente... Encantaria a todos e se chamaria Luísa, assim com “s” e acento no i. Por essa pequena, seríamos eternos e gratos amigos até o fim dos nossos dias.

Se pudesse escolher um lugar para trabalhar recusaria escritórios fechados e tristes. Escolheria um grande jardim, cheio de obras de arte e gente boa, com quem pudesse conversar e aprender a cada dia.

A cidade que escolheria para viver teria um misto de boemia e um ar interiorano, com cheiro de pão-de-queijo, uma boa cachaça e casas acolhedoras. Belo Horizonte, seria uma ótima escolha.

Lá, em uma bela manhã de domingo, depois de ver o meu time do coração sagrar-se campeão mundial, tomaria champanhe ao lado da minha amada.

Ahhh se pudesse escolher uma mulher para passar o resto dos meus dias, ela teria olhinhos apertados, um biquinho assim todo próprio e prestaria atenção nas minhas bobagens. Seria aquela garota que esbarrou no meu ombro, nos anos 80, mas me achou muito moleque naquela noite que nunca existiu. Que bom que assim foi, pois seu desdém me daria a chance de uma escolha madura.

A mulher da minha vida teria um jeito discreto de acalentar minha alma. Mesclaria sua doçura, com firmeza e decisão nos momentos certos. Teria, como eu, o trabalho como pedra-de-toque na vida. E, também como eu, buscaria na vida o que ela tem de mais gostoso e prazeroso.
A se eu pudesse escolher...

Escolheria fazer tudo de novo, assim sem tirar nem pôr. Deixaria de lado apenas as minhas omissões e viveria exatamente o que eu vivi.

Encontraria um tempo para agradecer tudo o que a vida me deu. Porque acredito, firmemente, que sou o resultado das minhas escolhas, nada mais, nada menos.

Quando essa aventura terminar, derramarei no mundo meu caldeirão de escolhas, com o perdão daqueles que fiz chorar e as lágrimas de outros tantos que fiz sorrir. Mas, nenhuma, nenhuma gota de arrependimento!

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

(Re)Casamento




Alguns defendem que um casamento estável só se mantem quando o homem e a mulher aprendem a renovar seus votos sempre, cotidianamente. Como se fosse possível um recasamento por mês, por semana, por semestre, revalidando a relação.

É um paradoxo. Ora, se o relacionamento é estável, pra que renovar?

Simbolicamente, casais cristãos retomam o matrimônio e os votos aos 25 anos de união, depois aos 50, antes de chorar a perda daquele que resolve partir primeiro.

Penso comigo... 25 anos? É muito, muito tempo... Minha pobre vidinha ainda não cruzou  essa ponte duas vezes e, mesmo assim, já percorri um caminho cheio de retas de sol, mas nunca livre de curvas sinuosas e buracos assustadores.

Por outro lado, iconoclasta que sou, tendo a concordar com a tese do recasamento em um sentido mais simples, mais fácil de entender.

O casamento em si tem muito, muito a ver com aquele dia em que os noivos depositam no altar a esperança de uma vida, com a crença inequívoca em valores como fidelidade, união, família...

Prometem algo que absolutamente não dominam, mas acreditam: a eternidade.

Casamentos são sempre emocionantes e cafonas. A começar pela roupa. A mulher fantasiada de branco, nunca mais repete o vestido, tal a sua inadequação para qualquer outro momento da vida. O sujeito, típico pinguim, fica tão a vontade quanto um gato no meio do oceano.

E os convidados? No lado masculino, aquele monte de amigos fazendo o bolão sobre o quanto vai durar o enlace. As moças, bem mais cruéis, cutucam-se na crítica dos vestidos umas das outras, da decoração, maquiagem e tudo mais...

Isso sem falar da multidão que jura ter carregado no colo cada um dos noivos. Ao final da festa do meu primeiro casamento pensava o quanto os meus pais foram irresponsáveis na minha primeira infância. Acho que jamais embalaram o meu sono, tal a quantidade de gente que me teve em seus braços...

Mesmo com tamanha previsibilidade, casamentos emocionam. Aquele momento em que os noivos prometem ser fiéis “na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, amando e respeitando....” é de tirar o fôlego.

Esse momento, esse sim, este é o verdadeiro casamento.

Até do ponto de vista religioso, o sim representa o grande sinal do matrimônio. Sem ele, nada adiantaria. É a vontade expressa de duas pessoas que se amam que está em jogo. Nada é mais forte que a vontade e o amor!

Mas, cá entre nós, pra que o vestido exagerado, aquela gente toda e tanta fofoca? Dizer sim é muito mais simples.

Fico com o momento e a promessa e me casarei quantas vezes o meu coração tiver vontade de repetir esse singelo e verdadeiro sim.

Foi como aconteceu na praça de Santelmo, em Buenos Aires, no último dia 03 de novembro. Lugar lindo aquele. Cercado de lembranças que resignificam quando objetos marcados pelo tempo trocam de mãos.

Aquele relógio de bolso, o camafeu, a porcelana rococó... Quantas horas contadas a espera de boas notícias? Quantos vestidos enfeitados ao longo de uma vida? Quantos chás solenes em tardes invernais?

Agora em outras mãos, serão outras horas, outros vestidos, outras tardes e chás...

Entre as mesas, o casal se rasgava em sensualidade em um tango marcial, elegante, com a nobreza dos simples. Como o samba, o tango é o momento de glória dos menos gloriosos...

Em uma banca quase hippie, havia facas e anéis de aço, não de ouro ou prata. Sim, o aço que é razão de ser dos dias de trabalho da minha amada, produzido com o minério que deu vida ao lugar para o qual dedico os meus dias de labuta. Trabalho é, para nós, valor forjado por todos os dias, por toda a vida.

Ali, em Santelmo, naquela praça estava nosso templo, nosso altar, nossa música e nossa aliança. Era a hora de sacramentar, tornar sagrado o nosso amor... Hora do sim!

No meu espanhol mímico, cheio de erros mas, sem perder o sotaque portenho e a imponência, pedi que anônimos da mesa ao lado testemunhassem o momento, com o celular da minha amada.

Cuidadosamente, repeti as palavras mágicas enquanto entregava a aliança de metal. Rebeca fez o mesmo e nos declaramos casados.

A magia se alastrou pela praça e outras pessoas das mesas ao nosso redor, ao final da cerimônia, aplaudiram os noivos.

Jamais esqueceremos aquele instante. Por isso mesmo, recriaremos o ritual sempre que o coração disser “sim”, em outras praças, outros países e outras tardes mágicas.

Se por mil vezes essas três letras percorrerem nossas veias, como os relógios, xícaras e camafeus de Santelmo, diremos um ao outro:

Prometo amar-te e respeitar-te e permanecer ao seu lado por todos os dias da minha vida....

Não se intimide caro leitor... Pode aplaudir!

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Sobre plantas e lágrimas



Nunca imaginei que uma planta fosse capaz de me arrancar lágrimas. Sou do tipo que mata um cacto de sede, tal a completa incompetência de relacionamento que tenho com o reino vegetal. Posso passar horas admirando uma paisagem, naquele silêncio contemplativo e saudável, mas não me peça para regar uma muda, pelo bem desse pobre ser.

Mas aquela palmeira, bem aquela, na sua majestosa solitude, me conquistou. Era uma Macaúba, planta nativa do Brasil, que atende pelo nome científico Acrocomia aculeata.
Seu pequeno coco possui uma polpa carnuda e um tanto pegajosa, daí o nome popular chiclete de boi – uma iguaria do Cerrado.

Minha palmeira repousava em uma área gigantesca, cercada de terra seca, ao lado de dezenas de irmãs, em uma paisagem quase desértica, que remetia aos filmes de Omar Sharif, o eterno Lawrence da Arábia. Se entre as árvores houvesse um lago, aquilo bem que poderia ser um Oásis, tal o isolamento e a nobreza daqueles troncos e folhas no alto da montanha.

À sombra da Macaúba passaria horas lendo os versos de Drummond ou a prosa caipira de Guimarães Rosa. Também poderia trocar confidências com minha amada ou fazer um piquenique com a pequena Luísa, minha palmeira de folhas douradas que a cada dia surpreende a todos com seus frutos cheios de inteligência e graça.

Mas, a visão poética só persistiria se fechássemos os olhos para o desenvolvimento, deixando de lado as centenas de tratores e retroescavadeiras que por ali vagavam preparando o lugar para a mineração. Sim, a pequena família de palmeiras teria que dar espaço para uma cava de minério de ferro, matéria-prima da civilização contemporânea.

Ao lado de um bando de abnegados, estava ali para salvar aquelas plantas de um destino traçado. Tecnicamente elas seriam “suprimidas”, com todas as permissões legais para tal. Mas, de fato, aquele lugar, aquele pequeno aglomerado de palmeiras, nunca mais poderia prestar-se a um momento de sombra, ao abrigo das árvores, ao alimento dos pássaros e roedores. Aquele oásis deixaria de ser e passaria simplesmente a servir.

Paradoxalmente, o mesmo trator que poderia suprimir, agora, com uma habilidade surpreendente do seu condutor, escavava os arredores dos troncos em uma operação de resgate. A idéia era salvar aquele grupo de plantas para uma pesquisa, com o objetivo de reproduzir seus filhotes em áreas devastadas, criando outras sombras, outros oásis.

Nessa vida de repórter, cobri muitos resgates, não de plantas, mas de pessoas, não menos ameaçadas. Vi banqueiros abandonarem seus cativeiros, reféns se libertarem de bandidos, acidentados sobreviverem aos piores desastres.

Uma palavra é comum, pedra-de-toque em qualquer resgate, de planta ou gente: cuidado. A operação em si, pode acabar colocando em risco o próprio resgatado e o feitiço se virar contra o feiticeiro.

Minha macaúba foi escavada pelas beiradas e apeada do solo com o torrão de terra que recobria suas raízes. Cuidadosamente, suas folhas foram amarradas, como um rabo de cavalo verde para que nossa heroína pudesse tombar sã e salva na carreta que a transportaria para um novo momento de vida.

Olhei bem para aquela Macaúba que tombava, como olhei sempre para os olhos daqueles que testemunhei no momento em que a palavra liberdade mudava definitivamente de significado em suas vidas. Fitei a Palmeira e prometi a mim mesmo que não a esqueceria jamais...

Como os resgatados depois de meses de sequestro, a vida daquela palmeira não seria a mesma. Ela veio para o Inhotim, esse lugar mágico onde trabalho, que abriga milhares de primas daquela que eu vi deixar a sua montanha.

Nunca tive dúvidas sobre o sucesso da operação. Como tiras treinados, aqueles botânicos e jardineiros conheciam palmeiras mais do que qualquer outro aventureiro.

No Inhotim, palmeiras são amigas de todos os dias. Nos recebem com suas folhas generosas e nos encantam abrindo caminhos ou criando labirintos exóticos que nos conduzem a todos para momentos de transformação.

O que me intrigava era que ali, no topo daquela montanha, a Macaúba reinava definitiva e, entre as nossas, ela seria uma entre muitas e eu, talvez, nunca mais a reconhecesse...

Semanas se passaram e a imagem do resgate, como outros que testemunhei, ainda estava impregnada na minha retina. A memória da palmeira ainda me fazia pensar. Onde ela estaria? Como pode ter sido essa mudança? A quem mais encantaria minha macaúba?

Visitando uma galeria em obras, a maior do Inhotim por enquanto, avistei algo familiar. Não acreditei que seria capaz de distingui-la mas, não havia dúvidas, era ela.

Minha palmeira resgatada estava ali, ainda mais linda, eternizando sua majestade ao lado de obras não menos eternas. Quis o destino que seu lugar fosse destacado e ali estabelecido.

Uma alegria inexplicável tomou-me de assalto! A visão da Macaúba salva, verde, linda e soberana, encheu meu peito de emoção e orgulho.

Sim, poderei ler meus livros, declarar meus amores e papear tranquilo sob suas folhas enquanto ambos existirmos. Ela estará sempre lá, nos abençoando com suas sombras. Quero passar por ela, daqui a 10 ou 20 anos  e confidenciar  em pensamento a memória da montanha, do dia do seu resgate.

Sempre que retorno ao local, alimento meu coração com a força daquele ser que soube mudar sem perder a grandeza, tamanha a generosidade da sua simples existência.

De fato, nunca imaginei que uma planta fosse capaz de me arrancar lágrimas....

terça-feira, 12 de junho de 2012

O meu amor....




O mundo padece de uma epidemia de surdez. Isso mesmo! As pessoas querem falar, falar, falar... e têm tão pouco a dizer... Ficam surdas com sua própria fala, perdidas na sua vaidade. Conversas se transformam em competições de histórias vividas, sem aprendizado, sem comunhão.

O sujeito começa a falar de uma doença, de um sofrimento físico e recebe como resposta uma enxurrada de viroses e infecções pretensamente maiores que as dele. O outro conta uma dor de amor e todas as dores do mundo lhe tomam de assalto, como se a sua, naquele momento, não fosse única e digna de ser compartilhada.

Naquela noite eu tinha algo a dizer sobre uma experiência mágica que acontecera comigo. Queria dividir um momento à frente de um altar com a repetição mântrica de uma sequência de Ave Maria’s, acompanhado da minha filha.

Esse momento, essa vivência foi transformadora e, desde então, mentalmente revivo a ladainha em momentos tensos que procuram respostas além do raciocínio cartesiano, da lógica simplória.

O grupo, formado por gente que gosto de frequentar, não estava disposto a ouvir o que tinha a dizer. Talvez o local não fosse o mais adequado, enfim... Mas, do outro lado da mesa, alguém me olhava, apertando os olhos e formando um biquinho lindo para alcançar minha prosa.

Ela realmente prestava atenção, estava interessada naquilo que eu tinha a dizer. E, meu Deus, que moça linda, suave, doce... Fez perguntas pertinentes e observações encantadoras, dessas que deixam uma mulher bonita ainda mais bela...

Fisguei seu nome entre um comentário e outro. Rebeca era aquela que sabia escutar.

No dia seguinte, corri para o facebook rastreando a donzela que não saía da minha cabeça e já conquistara parcela importante do meu coração.

Escrevi e reescrevi umas 18 vezes o recadinho com o endereço deste blog, local virtual onde procuro desnudar minha alma. Tudo o que consegui foi o formal:

Oi Rebeca,

Esse é o blog sobre o qual falamos...

E ela, bem mais inteligente e sutil, respondeu:

Meu terço...de coração e alma. Obrigada por compartilhar

Não, definitivamente não seria uma tarefa fácil conquistar a mulher de olhos apertados. Teria que continuar falando com o coração, sem disfarces. Afinal, ela não me conhecera em um ritual barato de galanteio. Falava da minha vida, do meu altar...

Corri para o mesmo bar no dia seguinte em busca de aliados nessa difícil cruzada. Um amigo prometeu seu apoio para um segundo encontro e fiquei animado. Mas, não podia bancar o babão! O jogo não era esse.

Marcamos na outra quinta-feira, no mesmo bat-local! Cheguei cheio de vontade porém decidido a permanecer cuidadoso. Estava diante de uma mulher delicada, desabituada a movimentos bruscos.

Mais uma noite que exercitamos o ouvido e, dessa vez, com mais atenção, os olhos, aprofundando aquela sensação adolescente de encantamento que o mundo adulto perdeu de vista.

Queria tomar-lhe nos braços, mas nem tinha o telefone da moça bonita e atenta. Pensei: “ Ronald, fique apenas de olhos e ouvidos bem abertos.”

Além do que, restava a dúvida: será que ela apenas me ouvia, me via, ou, de fato, estava tão ansiosa quanto eu para mergulhar nos outros sentidos?

Ao final da noite, quando minha princesa anunciou a partida, levantei no mesmo momento e fiz questão de acompanha-la, como fazia com as minhas paixões de infância, até o portão da sua casa.

Ponto para o rapaz atencioso, saberia semanas mais tarde.... Sim, ao final daquela noite um novo sentimento nos tomava de assalto. Algo que, ao lado do desejo, da vontade, é essencial para a sobrevivência do amor: a admiração.

Nesse quesito, a cada dia me sinto mais orgulhoso da mulher que me acompanha. Profissional de princípios firmes e competência reconhecida, mãe atenta e mulher encantadora a cada gesto. Tudo muito junto em uma mistura fascinante.

Sem disfarçar minha ansiedade –  homens são cachorros ansiosos – quando deixei Rebeca no seu portão saquei um convite para jantar. É... ali, deixei claro, sem muita cerimônia, que queria muitas e muitas noites com aquele olhar e o biquinho lindo que ressurgia nos seus momentos de atenção às minhas falas, aos meus dizeres.

Será que passei do ponto? Que não era a hora? O tempo respondeu não.

O jantar aconteceu na semana seguinte com uma esticada para aquele mesmo bar onde finalmente tomei a moça nos braços e a beijei longa e decisivamente. Beijos de matinê de cinema, com o som de uma chuva pesada que completava o cenário do mundo caindo aos nossos pés.

Já éramos namorados naquele momento, mesmo sem nada declarado. Construímos nesses três encontros aquilo que até hoje cultivamos com o cuidado dos jardineiros que plantam uma palmeira que transcenderá suas próprias vidas.

A conquista, a boa ansiedade, a saudade que percorre as montanhas das Gerais e contorna os prédios da Paulista, as tardes com sol ou chuva, as ondas de Ubatuba, os botecos da Vila Madalena, nossas meninas, nossos papos e comidinhas. Nada deixamos de lado.

Toda vez que a encontro, o meu coração bate meio desgovernado e, faça chuva ou faça sol, o mundo novamente pára pra servir de cenário deste amor maduro.

Trocamos brigas por risadas. Aceitamos o passado como patrimônio e aprendizado. Vamos para o mundo sem sair da toca. Somos donos do nosso próprio destino, mas também sabemos ser um do outro com fidelidade e entrega.

É para ela que mando o meu primeiro bom dia: pessoalmente, por sms, face ou, simplesmente, pelo meu melhor pensamento, quando nada mais funciona.

Adoro me desfazer em declarações escandalosas, mas continuo com ouvidos abertos para cada história: do almoço com o cliente, os conflitos de família ao telefonema sem motivo apenas para um 'eu te amo' no meio da tarde.

Em poucos meses juntos, retomamos votos ancestrais de construir algo novo e verdadeiro ou, simplesmente, reconstruir a utopia do eterno.

Mas, que fique bem claro! Seremos sempre namorados e.... quer saber? Encontramos a melhor fórmula – atenção, desejo, admiração e cuidado!

Essa é a ladainha que depositamos no altar da vida, que nos recompensa a cada dia com uma deliciosa brisa de felicidade!









quarta-feira, 9 de maio de 2012

Meu herói....


Era uma noite de sexta-feira. Eu e aquele maluco saímos do Shampoo lá pelas 4 da madruga, embriagados, naquela Puma vermelha, 1978. No banco do passageiro, a bela Sandra, ou simplesmente Gá, como a chamávamos, nos brindava com seu sorriso lindo e a voz firme de sempre.
Destino: Guarujá – aquele lugar ainda mágico, onde passamos os melhores anos das nossas vidas. Mal sabia aquele garoto de 16 anos que ali começaria uma viagem que só encontraria seu destino final, quase três décadas mais tarde....
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Na minha vida colecionei alguns poucos heróis. Fantasma foi um deles, com sua roupa vermelha e Capeto – que não era um cachorro, mas sim um lobo. Queria ter a dignidade daquele sujeito que defendia os Pigmeus da floresta de Bandar com duas inocentes pistolas, a bordo do seu cavalo branco.
Outro herói, este de carne e osso, dá nome a esse blog: meu vô João, que me ensinou a pescar, a cultivar o respeito pelas pessoas, a gentileza e a elegância fundamental para uma vida forjada a partir das relações.
Mas, o herói que mais me influenciou foi um sujeito bonito, com voz trombônica, que abriu alas para a passarela na qual hoje desfilo com razoável desenvoltura. Estabanado, maluco que só, esse sujeito sempre foi minha maior inspiração.
A lembrança mais remota vem da rua Joaquim Nabuco, em São Caetano do Sul, nossa primeira casa. Aquele sujeito combinava com os amigos a compra de um Aero Willys velho no qual fariam uma pintura de fogo nas laterais para percorrer a longa distância que separava o ABC paulista da doceira Brunella, em Moema, São Paulo.
- Vamos colocar catraca na porta para a mulherada entrar, dizia o moço impetuoso.
Em princípio, fiquei encantado com o plano. Mas, dias depois, recebi a notícia que o filho de um milionário da região morreu em uma corrida de carros. Preocupado com meu herói, denunciei o plano e, claro, tudo caiu por terra.
Esse cara reunia legiões no Guarujá, naquela varanda incrível da nossa casa de praia, para noites musicais que teceram a trilha sonora da minha vida. Ouvíamos de Chico à Led Zepplin, de Caetano a Lo Borges, ao som daquela flauta doce que soava como se o amanhã nunca existisse.
Como sonhei em ser esse cara. Queria o olhar das moças encantadas pela sua lábia envolvente. Queria os amigos eternos que nunca o abandonariam. Queria aquela Suzuki azul metálica, com motor cromado que desbravava os poucos quilômetros de ruas de terra que delimitavam as nossas férias.
O tempo foi passando e uma segunda fotografia me marcou profundamente. Meu herói chorava pela sua primeira paixão, uma tal de Lilian, de memória incerta, sua primeira paixão. O primeiro de muitos choros e sofrimentos que me ensinaram que o amor não era algo simples, mas, se não fosse intenso, não teria o menor valor.
Anos mais tarde, ainda com Fantasma no meu criado-mudo, nosso herói resolveu me explicar como nascem os bebês. Explicou tudo com cuidado, com um livro de biologia em mãos.
No dia seguinte, descobri meu talento didático. Contei para todos os meninos da rua das Palmeiras, em Santo André, o que tinha aprendido.
Danilo, grande amigo que se perdeu no tempo, lançou a dúvida:
- Como funciona, quando um casal tem filhos gêmeos?
Respondi sem titubear:
- Nasce um, nove meses depois, nasce outro!
O livro de biologia não seria o primeiro. Meu mito em forma de irmão me presenteou com dois outros exemplares que são a síntese da minha personalidade.
O primeiro, O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Aquela boemia mineira e os personagens do famoso encontro convivem comigo, aqui entre as montanhas das Gerais. Mais do que isso, essa obra é minha essência boêmia, minha alma botequeira.
O segundo, 20 mil Léguas Submarinas, de Julio Verne, fez-me sonhar e alimentou esse espírito futurista, com dois pés no passado.
Após a leitura desses clássicos, mal sabia, nascia em minha alma um jornalista.....
Aprendi tudo o que sei de galanteios e cantadas com esse cara mágico. Esperto, carregava o irmão mais novo para as noites de namoro nas casas das namoradas. O truque era simples: o danado ficava com a moça na sala enquanto eu encantava sogras e cunhadas com aquela carinha de anjo.
Na adolescência, ganhei meu melhor amigo dentro de casa. Vagávamos de bar em bar, paquerávamos juntos e, talvez naquele momento, desenvolvi essa preferência toda própria por mulheres maduras, já que o nosso herói dista 9 anos do meu surgimento e disputávamos o mesmo target.
Mesmo com a diferença de idade, cansamos de brincar de gêmeos já que, ao longo da vida, alternamos momentos de aparências mais jovens e mais velhas que acabavam nos aproximando no tempo e na vida.
Soube, com absoluta exclusividade, do seu primeiro casamento, da paternidade e de tantas outras noticias boas e más. A regra entre nós sempre foi uma cumplicidade impar.
Tenho certeza que, se um dia, eu dissesse:
- Cara, roubei um banco!
Ele diria:
- Isso é o que estão dizendo por aí. Você apenas fez um empréstimo.
Sim, caro leitor, meu herói sempre foi um porto seguro, que quebrou a cara antes de mim, apontando caminhos pelos quais não deveria passar.
No meio dessa jornada, ensinou-me uma generosidade que custo a incorporar.
Nunca faltou-lhe um sorriso, uma palavra otimista, um gesto de carinho, uma palavra doce...
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Quase trinta anos depois daquela viagem maluca, Gá me chama no Orkut, dizendo:
- Roninho, como você cresceu....
No mesmo momento, voltei ao Guarujá e àquela noite que me mostrou o melhor casal do mundo. Dois malucos que faziam da vida uma deliciosa e irresponsável aventura.
Vesti minhas asas de cupido e fiz o diabo para reunir o casal dos meus sonhos.
Bingo!
Como não poderia deixar de ser, naquele Carnaval, a moça desembarcou em Sampa depois de décadas no continente americano, para encontrar o seu amor.
Rapidamente, se reapaioxonaram e construíram juntos um canto lindo, resumo desse conto de fadas torto e contemporâneo que inspirou minha história.
Agora, Valtinho e Gá, partem a bordo da mesma Puma, com asas prateadas como acessório, para uma nova aventura.
Dessa vez, o menino de 16 anos não poderá seguir no banco traseiro. Ele virou homem, graças a esse herói maluco-beleza que nunca lhe negou um ombro.
Ficarei com a lembrança de cada risada espalhafatosa, dos pimentões em todos os pratos, do azeite absurdo no meu risoto, dos almoços de domingo na mesa de Dna Helen, do carinho com a minha cor-de-rosa e desse delicioso molho que me fez homem.
Com as bênçãos de Valtão e Vô João, encho o meu peito de saudades e, ao som da sua flauta doce, digo pra quem quiser ouvir:
- Te amo, meu herói! Siga o seu destino, nas asas da vida, no coração da sua amada e nos braços de Deus!

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Jack, Francis, Chico e Caetano


A garrafa era linda, com formato de gota e uma tampa robusta revestida em cortiça. Derramei a primeira dose já com lágrimas nos olhos, no chão de carpete daquela sala simpática, meu primeiro apartamento. Meu amigo não estava ali. Era o seu destino que eu recusava gole a gole...

Comprei aquela edição especial de Jack Daniels  para beber ao som das canções de Caetano que ele me ensinara a ouvir e admirar....

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Sempre tive aversão aos teóricos da chamada “liderança”, essa gente que prega a ideia de que pessoas podem transformar-se em líderes mediante algum tipo de treinamento.  Bobagem grande.  Esse expediente faz de jovens promissores chefes inexperientes, verdadeiros maquiavéis-mirins que tentam exercer poder sem maturidade.

Os teóricos fecham um estereótipo e ensinam os pobres meninos e meninas a reproduzi-lo, como papagaios corporativos.... Sem verdade!!!!

Já tive líderes de todos os tipos, cores, sexos e humores. Alguns gritavam, outros sorriam! Alguns eram nervosos, outros calmos! Enfim, nenhum padrão, apenas uma capacidade de reunir em torno de si um grupo de pessoas com um sentimento muito especial: a admiração.

Hoje, comando um grupo de jovens brilhantes com um brilho nos olhos típico de um momento muito especial que vivi nos anos 90. Éramos todos muito jovens e mal sabíamos que estávamos fazendo história.

Sonhávamos o sonho de Fernando Vieira de Mello, sujeito genial, personagem fixo desse blog, que, após 40 anos de Rádio Jovem Pan, inaugurava sua própria rádio. Mas, esse general tinha um coronel que era quase seu oposto, seu espelho.

Sujeito magro, desengonçado, com óculos de grau e olhos apertados. Vestia sempre uma calça com a camisa pra fora, ambas de largas e confortáveis.

Aquele moço beirando os trinta anos tinha uma deselegância charmosa, falava baixo e não mandava: convencia. Em torno dele, todos nós, meninos e meninas – muitas meninas – trabalhávamos com vontade e bom humor.

O nome era Paulo Franciscon, filho de um juiz de futebol que conheci na redação da Pan. Ele era editor de matérias e trabalhava em dupla com Thays Freitas, unindo textos e sons em matérias sempre muito bem acabadas.

Na nova rádio, assumia funções de responsabilidade e, de fato, sem um cargo formal, comandava a garotada.

Fernando Silva e Arnaldo Comin (seus fiéis escudeiros) produziam os textos do primeiro jornal que tinha como âncora o barulhento e polêmico Ney Gonçalves Dias. Trabalhavam de madrugada, sob a batuta daquele maestro de gestos tímidos.

Eu, Andréa Martins e, mais tarde, Ana Paula Sousa e Silvia Correa, cuidávamos das notícias policiais sob a supervisão de Hélvio Borelli, repórter experimentado com fontes espalhadas por toda a cidade.

Ana Paula, aliás, tínhamos duas. A segunda, Anna Buchala, trabalhava ao lado de Maria Elisa Porchat, ambas sempre muito elegantes, no meio daquela garotada desajeitada.

Depois do primeiro jornal - o Jornal É - era a vez da nossa revista diária, o programa É de manhã, dirigido por Adriana Meola, musa do nosso herói.

Casal bonito de se ver, inspirou namoros e relações intensas que hoje ganham um ar nostálgico e bom de lembrar.

Até porque, depois da rotina hard news (ou no meio dela...) não faltavam noitadas em botecos, ou nos apartamentos dos amigos, regados às caipirinhas de Rui Monteiro, muito cigarro e discussões calorosas.

Uma das pautas mais frequentes era a briga Chico x Caetano, com palpites cheios de história do mestre Sabá, comentarista musical que sacava da sua agenda telefones de ícones da MPB.

Com seu contra-baixo, Sabá iluminou noites memoráveis ao lado de Comin no violão, dono da melhor versão de Georgia depois de Ray Charles.

Naquela turma havia lugar para outras figuras, as mais diversas. Inesquecíveis o sorriso de Luciana DelFiol; o uniforme de aeromoça de Andrea Ciaffone; Claudia Granadeiro e o seu francês impecável; os papos com Regina Augusto durante os plantões; Dedé Gomes provocando os locutores durante o jornal e outras tantas histórias.

Meninos como Guilherme Gaspar, Ana Carolina Soares e Luciana Bonafé dividiam as barulhentas máquinas de escrever com jornalistas da velha guarda, que seguiam os passos de Fernando por onde quer que ele fosse ....

Para esse grupo, Franciscon era uma espécie de porto seguro, confidente, leal e amável. Aprendi com esse rapaz a ouvir com calma, argumentar com propriedade, ceder sem abaixar a cabeça.

Com aquele jeitinho tímido, Francis era o único capaz de fazer Fernandão mudar de idéia, segurar a língua do Ney e discutir pautas com medalhões do rádio, como Milton Parron, o repórter da cidade.

O jovem chefe coordenou uma cobertura improvável por telefone quando Dr. Ulysses Guimarães desapareceu em um acidente de helicóptero. Falamos ao vivo com barcos salva-vidas que participavam das buscas em mares cariocas.

Ainda por telefone, sob o seu comando, cobrimos a renúncia de Collor, o assassinato de Daniela Peres, dezenas de rebeliões e histórias cheias de emoção e verdade, de um jornalismo com poucos recursos e muita paixão.

Franciscon também sabia ser duro. Levei boas broncas do meu amigo com meus atrasos semanais, descuidos de informação e outros deslizes típicos dos focas metidos como todos nós éramos.

Esse cara nos fazia acreditar que éramos muito melhores do que poderíamos ser. Acreditamos e fomos! Simples assim!

Essa turma está toda muito bem colocada. Muitos de nós, sem falsa modéstia,  referências em suas áreas de atuação.

Eu deixei o jornalismo para assumir uma empresa familiar, mas o velho Francis continuava na minha vida, na minha rotina.

Acreditava que ficaria longe do jornalismo, mas perto das pessoas, dos meus amigos, daquela gente que já era parte da minha história. Mais tarde, descobri que não conseguiria negar a vida que escolhi e voltei....

                                                             xxxxxxxxx

Na minha lua-de-mel, após uma viagem para Argentina, comprei aquela garrafa. Franciscon e Adriana seriam meus convidados especiais para uma noite de boas lembranças. Falaria dos meus planos de homem casado, do sonho de Luísa, da construção da vida adulta...

Fernando Silva, já na chefia de reportagem da Rede Globo, me ligou com voz embargada. Um câncer pegou de surpresa o nosso chefe-menino.

Depois dessa notícia, falei com Franciscon apenas duas vezes. Uma delas, no aniversário de Ana Paula Sousa. Ele falava sobre a doença com a tranquilidade de sempre...

Na segunda vez, por telefone às vésperas de um revellion, de 97 ou 98, tentei elevar o humor do meu amigo e depois desmanchei.

Mas a verdadeira despedida aconteceu quando abri aquela garrafa de Jack Daniels. Recordei os melhores momentos, as maiores lições, ao som da voz chorosa de Caetano, cantando If you hold a stone.

O ídolo de Franciscon gravou essa canção na solidão londrina, durante seu exílio. Como Caetano, chorei a solidão que se anunciava para mim e para essas pessoas que perderiam uma referência tão importante.

Durante muitos anos, meu cérebro negava a perda. Queria compartilhar meus bons momentos, as conquistas, os sonhos realizados e dizer o quanto aquele sujeito foi fundamental para o homem que eu tentava forjar.

Hoje, entre um Jack Daniels e outro, a saudade bate...

Mas o fato é que, graças à liderança de Franciscon, nós - os meninos e meninas da Trianon - nos conservamos perto, mesmo que distantes. Vez ou outra, nos reencontramos, com filhos crescidos, histórias vividas e um especial senso de proteção, de querer bem.

Nunca responderemos quem foi o melhor, Chico ou Caetano... Acho que o melhor foi Franciscon que nos uniu a todos.

Um brinde, meu velho!
http://www.youtube.com/watch?v=TYRcKaXw6EQ&feature=share

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Um bom lugar para morrer....


Escolher um lugar para viver não é nada complicado.  Aliás não há segredos em viver, em seguir administrando o cotidiano. Escolhemos casas, apartamentos, sítios, hotéis, enfim, lugares para passar a vida. E deixamos de escolher o lugar mais importante de toda a caminhada: um lugar para morrer.

Não, caro leitor, não há nada de mórbido nisso. Basta pensar com clareza nos grandes momentos da sua vida. Pense no auge da sua felicidade e... pense bem. Não seria ótimo morrer assim, com um sorriso nos lábios, alegria no coração e algo lindo diante dos olhos?

Pois bem! O sorriso, a alegria no coração – o dinheiro no bolso, a mulher bonita e tudo mais – conseguimos, com mais ou menos esforço, determinar ao longo da vida. Tudo isso é fruto de esforço, trabalho, charme e talento.

Mas, caro amigo, morrer no lugar escolhido não é fácil. Levar nos olhos uma última imagem que seja capaz de aproximar sua alma do divino, de completar com beleza seu último suspiro, ahhh isso sim gostaria de poder escolher.

Diz a lenda que Jorginho Guinle, milionário carioca que nunca trabalhou, passou sua última noite na suíte presidencial do Copacabana Palace e embalou a morte com champanhe safrado e um bom prato de estrogonofe.

Darcy Ribeiro, antropólogo iluminado, fugiu do hospital e se empanturrou de pastéis e caldo de cana. “Não morreu logo, mas deu o recado vital: queria viver para aproveitar a vida, e não para constar entre os vivos, no qual sempre fora vivíssimo”, narra com graça Carlos Heitor Cony.

Outra grande figura com quem tive a honra de trabalhar, o jornalista Fernando Vieira de Melo declarava aos quatro ventos que gostaria de morrer na sua sala de vidro no centro da redação da goloriosa Rádio Jovem Pan, em São Paulo.

            - Filho, eu não morrerei, porque gente como eu não morre, simplesmente. Eu vou explodir !!!! – dizia Fernando no início de um discurso que precedia um verdadeiro manual de instruções para a sua morte que incluia um chamado de urgência para que Reale Jr voltasse da França com a incumbência de remover o corpo e atirá-lo das escadarias do prédio da Gazeta, na avenida Paulista, 900.

            - Assim minha família receberá o seguro por acidente! Treinei o Reale a vida inteira para esse momento! – profetizava Fernando.

De um certo jeito, esses dois homens fortes e geniais nos diziam que gostariam de morrer cercados por tudo aquilo representasse o sagrado. Do caldo de cana à sala da redação, passando por pastéis e discursos inflamados, Darcy e Fernando desejaram mortes cercadas de verdade e daquilo que lhes emprestasse a idéia da eternidade ao lado do que, de fato, é eterno.

Gostaria, do mesmo modo, de cerrar meus olhos com a minha visão de eternidade. Algo simples e tranquilo. Alguns poucos lugares poderiam sediar esse momento, tão único quanto o nascimento.

A varanda da minha casa no Guarujá seria um deles. Tenho certeza que o Paraíso é parecido com aquilo que vivi na minha infância. Fecharia os olhos entre as paredes de tijolos a vista com a montanha que escondia minha praia secreta no horizonte.

Certamente, ao abrir os olhos, encontraria o mesmo cenário, com Valtão e Vô João jogando truco aos berros e o cheiro da manjuba no fubá que só a vó Neta sabia fazer. Tigrão também estaria por lá a pular nas asas dos anjos, tentando derrubá-los.

Também morreria feliz no Caminito, em Buenos Aires, ao som de um  tango bem tocado. Do outro lado da vida, com Dona Helen em meus braços, dançaria eternidade afora, como dançamos em Palermo. Pararia apenas para o repouso na melhor cama do mundo, no topo das escadas do Hotel Alvear.

Hoje, cá onde escrevo, também partiria com um sorriso largo nos lábios. À minha frente, um lago, garças brancas e cisnes descansam o meu olhar em um cenário deslumbrante desse lugar onde Deus me abençou para trabalhar e construir o futuro. Aqui, contemplo o belo, que sempre roubou o meu olhar. E o belo me transforma.

Bastaria piscar e, novamente, o Paraíso se reconstruiria talvez com a suavidade do sorriso e o doce olhar de Rebeca com quem também bailei ali bem perto em uma sala de múltiplos espelhos e notas românticas..

Morreria numa quinta-feira, por uma questão estratégica. Meu velório seria de madrugada, com o féritro pela manhã do dia seguinte. Assim, meus amigos poderiam enforcar a sexta-feira e passar o final de semana lembrando velhas histórias.

Por falar em velório, que fique aqui registrado: quero algo muito sofisticado e um bom bar para servir meus cumpadres e comadres. Vinho bom para os mais finos, Rioja, talvez... Whisky para os bacanas e cachaça para os  simples de coração, porque é deles a última mesa.

Entre os quitutes, escondidinho da Sheila, queijo da serra da Canastra, pimenta de biquinho, empadinhas da Senna Madureira (as melhores...) e bolinhos de carne do Amigo Leal, boteco da Amaral Gurgel, em São Paulo.

De um lado do caixão, Rogério reconta velhas mentiras sobre o morto boêmio e suas aventuras pelos interiores do Brasil e da capital paulista. De outro, Dudão compõe meu epitáfio com o melhor texto da minha geração.

A trilha sonora mescla Legião, Cazuza, Oswaldo Montenegro e Paulinho da Viola.

Quero Ana Lucia no decór, Bia na recepção, Luciana na produção e outras tantas mulheres fundamentais da minha vida testemunhando essa despedida, com pouco choro, espero.

Luísa fará as honras da casa, com levas especiais de pastéis de carne, de hora em hora.

Essa parte previsível, pode mesclar momentos de emoção como o velório de Chateaubriand, aqui descrito por seu biógrafo, Fernando Moraes.

De repente, o silêncio é quebrado pelo estridente barulho de uma martelada. Em seguida outra, e mais outra e mais outra. Em uma enorme  escada de pedreiro está trepado o diretor do MASP, Pietro Maria Bardi, que continua batendo pregos na parede - se cair dali ele desabará em cima do morto. Indiferente ao escândalo que provoca, Bardi desce degrau por degrau e chama alguns operários para  pendurar, acima do caixão, três monumentais telas do museu. No centro da parede, bem em cima da cabeça do morto, vai a Banhista com o cão grifo, de Renoir, um nu de pouco menos de dois metros de altura: expondo generosos seios descobertos, a banhista cobre levemente o sexo com a mão esquerda, tendo na direita o manto que se espalha sobre o chão, onde o cão está deitado. À esquerda e um pouco mais abaixo da Banhista, Bardi manda os operários pendurarem um quadro de Ticiano, Retrato do cardeal Cristóforo Madruzzo - o organizador do Concílio de Trento -, e do outro lado,na mesma altura deste, também com quase dois metros de altura, outro purpurado: é o esplendoroso retrato de corpo inteiro de d. Juan Antônio Litrente, secretário da Inquisição espanhola, pintadopor Goya.

O contraste dos retratos de dois cardeais cercando uma exuberante mulher nua, sobre a cabeça de um morto, é chocante. Indignado, um dos diretores dos Diários

Associados - um dos "minimaiorais ", como Bardi se referia a eles - se aproxima do diretor do museu, e lhe tenta passar uma descompostura:



- Com efeito, professor Bardi! Isto aqui é a câmara-ardente de Assis Chateaubriand, estamos diante das maiores autoridades deste país, e o senhor me coloca dois religiosos ladeando uma mulher despida? Durante um velório? Isto é um escândalo, vamos tirar esses quadros daí já!



Bardi abre os braços e responde, também na frente de todos,com franqueza desconcertante:



- Mas dottore, esta é a minha última homenagem a Assis Chateaubriand, vero? Nesta parede estão as três coisas que ele mais amou na vida: o poder, a arte e mulher pelada.”



Extravagâncias à parte, gostaria  de celebrar a morte como celebrei a vida. De ser lembrado pelas minhas verdades, por menos verdadeiras que sejam. De levar comigo, a lealdade dos meus amigos, o carinho da minha família e festejar o fim em meio às melhores lembranças.




segunda-feira, 26 de março de 2012

Geração em versos...



Quem um dia irá dizer que existe razão pras coisas feitas pelo coração....?

Perguntava aquele sujeito de voz grave que mexia os braços de um jeito próprio e inquietante. Ele perguntava e eu - com o meu coração dividido entre os olhos firmes da linda Cristiane e Lídia, a bela mestiça do Colégio Bandeirantes – repetia a pergunta tentando entender as besteiras que protagonizava naquele ano de Plano Cruzado e congelamento by Dilson Funaro.

Perdemos Tancredo, ganhamos Sarney.... Em São Paulo, Quércia mandava prender e soltar com o apoio dos ex-comunas do MR8. Dois anos depois, Erundina foi eleita prefeita. Em 89, o Brasil colloriu e, inevitavelmente, perguntávamos....

Que país é esse?

Mas nem tudo estava perdido. Alguém acreditava em democracia e lutava por ela. Nem que fosse apenas aquele estudante que parou um tanque de guerra na China ou outros tantos que ajudaram a derrubar o Muro de Berlim.

Mas, em terras tupiniquins, a Geração Coca-cola continuava perdida nas favelas do Senado, com sujeira pra todo lado. Eles achavam bonito aquele presidente subindo e descendo rampa enquanto seus capangas tiravam dinheiro do leitinho das crianças (literalmente) para pagar as calcinhas da primeira-dama mais cafona da história do Brasil.

Enquanto isso, em São Paulo, Rio e Brasília os morros perguntavam...

Ei menino branco o que é que você faz aqui?
Subindo o morro pra tentar se divertir
Mas já disse que não tem
E você ainda quer mais
Por que você não me deixa em paz?

Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim
E agora você quer que eu fique assim igual a você
É mesmo, como vou crescer se nada cresce por aqui?
Quem vai tomar conta dos doentes?
E quando tem chacina de adolescentes
Como é que você se sente?

Mas alguém gritou e num brado retumbante neotropicalista, com Caetano cantando Alegria Alegria na rede Globo, despertamos, pintamos a cara e fomos para as ruas. Precisou de uma minissérie para acordar a molecada que resolveu brincar de protestar.
Teríamos o mundo inteiro
E até um pouco mais
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços
De vidro...


Juntava meus cacos com cinco empregos e um caminhão de sonhos ao sair da faculdade. Escolhi o jornalismo porque, afinal....

Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Química
Química
Fui repórter policial e conheci o mundo de um jeito especial, diria, atrás do banheiro. Isso mesmo! Onde ninguém quer entrar, ficar! A profissão me levou para os escombros do ser humano, um bicho que pode ser repugnante.

Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
cantam música urbana,
Motocicletas querendo atenção às três da manhã -
É só música urbana.
Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repertir a música urbana.
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana


No meio dessa maluquice, da descoberta de um mundo podre e violento, alguém roubou meu olhar, meu fôlego, meus melhores pensamentos. Me apaixonei pela primeira vez! O nome era Silvia. Vivemos um amor lírico, intenso e cafona... Mas para que definir o amor? Os meninos de Brasília cantavam por nós...
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.


O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.
Silvia foi embora, claro. Levou os meus sonhos, meus pobres enganos, os meus vinte (e poucos) anos, o meu coração e, além de tudo, me deixou mudo um violão. Com a licença de Chico, dei um basta!

Cansei de tudo aquilo. Desacreditei do mundo, dos amores intensos e da profissão também. Presenciei velhos jornalistas virando pó, perdendo o que não tinham e, um belo dia, deixei tudo de lado para ganhar um pouco do vil metal. Mergulhei em um negócio de família e parti em busca da minha donzela com quem construiria o futuro que aprendi com meus pais. Achei!
Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir


Dessa linda história de amor surgiu Luísa, minha obra de arte. Alguém que construímos com o zelo dos grandes artistas...
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar
A armação fiz com madeira
Da janela do seu quarto
Do portão da sua casa
Fiz paleta e cavalete
E com lágrimas que não brincaram com você
Destilei óleo de linhaça
Da sua cama arranquei pedaços
Que talhei em estiletes de tamanhos diferentes
E fiz, então, pincéis com seus cabelos
Fiz carvão do baton que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte


Foram dez anos incríveis desses de construir e dividir sonhos. Anos cheios de simplicidades que fazem diferença na vida.
Vamos chamar nossos amigos
A gente faz uma feijoada
Esquece um pouco do trabalho
E fica de bate-papo
Temos a semana inteira pela frente
Você me conta como foi seu dia
E a gente diz um pro outro:
- Estou com sono, vamos dormir!


Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você
Mais um ciclo se fechou e algumas velhas canções voltaram a fazer sentido. Era a hora de descobrir um sujeito esquecido em algum lugar entre uma música e outra. Hora de resgatar uma legião de versos e dizer bom dia para todas as dúvidas.

E deixar o equilíbrio ir embora
Cair como um saxofone na calçada
Amarrar um fio de cobre no pescoço
Acender o intervalo pelo filtro
Usar um extintor como lençol
Jogar pólo-aquático na cama
Ficar deslizando pelo teto

Ao lado da pequena Luísa, também apaixonada por Renato Russo e suas excentricidades vivi momentos decisivos ao som de Legião cantando alto, com as janelas fechadas, os novos tempos com velhas músicas.
Vendo Renato Rocha, baixista da formação original do Legião Urbana mendingando nas ruas do Rio de Janeiro, me pergunto: Como nenhum daqueles versos foi capaz de corrigir o destino desse moço? Dele saíram todos os "graves" da minha vida... Afinal, o que aconteceu?

A vontade que me toma de assalto é de ir até lá e chacoalhar a cabeça do sujeito e dizer o quanto ele foi importante para toda a minha geração.
Dizer que, a cada vez que corrijo os meus próprios rumos, resgato entre as suas canções uma que faça sentido e sigo em frente.

Talvez simplesmente repetir...
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...


Tão Jovens! Tão Jovens!...