Eu e minha amada saímos para jantar, na noite de ontem. Nos
permitimos um cardápio simples, com carne de sol, manteiga de garrafa e
mandioca. Arrisquei uma cerveja e ela ficou no refrigerante pois estava com a
garganta sensível. Voltamos cedo, papeamos um pouco e... cama. Em um ano, provavelmente
esqueceremos esse momento, tão comum e singelo que pareceu.
Há um ano, outro jantar jamais será esquecido. Ele não
terminou. “Lembro o que cozinhava, afinal são 12 meses sem fazer o jantar. São
12 meses que minha companheira não está mais entre nós. São 12 meses que minha
vida mudou. Não só a minha como a de todas nós. Mas a minha vida é uma outra
vida que nunca quis ter”, a frase é de Mônica Benício, esposa de Marielle
Franco que jamais provaria aquele prato.
A cena descrita em artigo publicado na Folha de S. Paulo
demonstra o lado mais cruel dessa perseguição. O jantar que não houve e não
haverá é o final do dia de todos os que trabalhamos, que ganhamos o pão com o
suor do rosto. Mas precisamos poder trabalhar.
Há um ingrediente nesse desejo simples – o de jantar quando
o dia acaba – que, para os aqueles que tem o povo como fronteira, é como o sal,
a carne e a mandioca. Sem ele não cozinhamos o dia para nos fartar a noite. Sem
ele não conseguimos agir para depois sentar e prosear. Nesse jantar faltou a
liberdade. Sim é ela que dá sabor e sentido ao dia suado e lutado.
Quando alguém como Marielle morre, as bocas de fogão se
apagam nos morros, onde a sua voz protegia e fazia diferença. Os pratos se
esvaziam entre as minorias que podiam comer em paz enquanto ela estivesse
atenta e pronta a denunciar seus opressores. Os garfos e facas retornam às
gavetas, porque o dia não acabou e o jantar não será servido.
Aquele dia segue interminável por 365 esperas. A pergunta
respondida pela metade, com prisões quase cinematográficas, é um segredo de mentira,
pois todos sabemos da verdade e conhecemos aqueles que não querem que o jantar seja
posto. Há um outro País, paralelo e poderoso, que sobe e desce o morro da Maré,
percorre o Brasil e termina – pasme – na vizinhança do presidente.
Aqueles alcançados pela Polícia e pela Justiça nos últimos
dias jantaram confortavelmente ao longo desses 12 meses de panelas vazias na
casa de Mônica e Marielle. Eles não conhecem a fome porque dela se fartam.
Jamais terão a sensação do bom cansaço, resultante das melhores lutas, covardes
que são, atrás das suas armas.
No fundo, o que queremos é pouco, bem pouco. Tanto é que, enquanto
temos, parece até que não faz diferença. Jantamos todos os dias sem pensar como
o cheiro do refogado, o som das panelas e o narrar do dia por aqueles que
amamos é tão valioso.
Ao redor da mesa vazia permanecem Mônicas e Clarices à
espera da verdade, para que o jantar possa, enfim, voltar aos pratos, antes de
uma boa e justa noite de sono.