quarta-feira, 13 de março de 2019

Sobre a mesa





Eu e minha amada saímos para jantar, na noite de ontem. Nos permitimos um cardápio simples, com carne de sol, manteiga de garrafa e mandioca. Arrisquei uma cerveja e ela ficou no refrigerante pois estava com a garganta sensível. Voltamos cedo, papeamos um pouco e... cama. Em um ano, provavelmente esqueceremos esse momento, tão comum e singelo que pareceu.

Há um ano, outro jantar jamais será esquecido. Ele não terminou. “Lembro o que cozinhava, afinal são 12 meses sem fazer o jantar. São 12 meses que minha companheira não está mais entre nós. São 12 meses que minha vida mudou. Não só a minha como a de todas nós. Mas a minha vida é uma outra vida que nunca quis ter”, a frase é de Mônica Benício, esposa de Marielle Franco que jamais provaria aquele prato.

A cena descrita em artigo publicado na Folha de S. Paulo demonstra o lado mais cruel dessa perseguição. O jantar que não houve e não haverá é o final do dia de todos os que trabalhamos, que ganhamos o pão com o suor do rosto. Mas precisamos poder trabalhar.

Há um ingrediente nesse desejo simples – o de jantar quando o dia acaba – que, para os aqueles que tem o povo como fronteira, é como o sal, a carne e a mandioca. Sem ele não cozinhamos o dia para nos fartar a noite. Sem ele não conseguimos agir para depois sentar e prosear. Nesse jantar faltou a liberdade. Sim é ela que dá sabor e sentido ao dia suado e lutado.

Quando alguém como Marielle morre, as bocas de fogão se apagam nos morros, onde a sua voz protegia e fazia diferença. Os pratos se esvaziam entre as minorias que podiam comer em paz enquanto ela estivesse atenta e pronta a denunciar seus opressores. Os garfos e facas retornam às gavetas, porque o dia não acabou e o jantar não será servido.

Aquele dia segue interminável por 365 esperas. A pergunta respondida pela metade, com prisões quase cinematográficas, é um segredo de mentira, pois todos sabemos da verdade e conhecemos aqueles que não querem que o jantar seja posto. Há um outro País, paralelo e poderoso, que sobe e desce o morro da Maré, percorre o Brasil e termina – pasme – na vizinhança do presidente.

Aqueles alcançados pela Polícia e pela Justiça nos últimos dias jantaram confortavelmente ao longo desses 12 meses de panelas vazias na casa de Mônica e Marielle. Eles não conhecem a fome porque dela se fartam. Jamais terão a sensação do bom cansaço, resultante das melhores lutas, covardes que são, atrás das suas armas.

No fundo, o que queremos é pouco, bem pouco. Tanto é que, enquanto temos, parece até que não faz diferença. Jantamos todos os dias sem pensar como o cheiro do refogado, o som das panelas e o narrar do dia por aqueles que amamos é tão valioso.

Ao redor da mesa vazia permanecem Mônicas e Clarices à espera da verdade, para que o jantar possa, enfim, voltar aos pratos, antes de uma boa e justa noite de sono.

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