quarta-feira, 6 de julho de 2016

Sclavi


Talvez esse ano queira nos dizer algo muito importante. Algo sobre a finitude.

De verdade, não encaro isso de um modo necessariamente difícil e doloroso, mas apenas como uma forma de medir o tempo.

Henri Cartier Bresson, Pelé do fotojornalismo, terminou seus dias desenhando paisagens. Ele dizia que passou a vida escravo de instantes, entre um clic e outro, e chegava a hora de escravizar o seu algoz, o tempo.

O último irmão do meu pai nos deixou e – como lembra bem meu primo Nelson – com ele se vai também nossa última referência de um jeito de ser importado de um lugarejo no norte da Itália. Um jeito Sclavi.

Sempre que algo nos move para além de nós – algo que vai da fome atávica à voz de volume desmedido ou mesmo ao jeito impulsivo de fazer e decidir – lembramos que nos unimos por esse sobrenome e seus altos e baixos.

Mas também é fato que somos muito diferentes. Ganhamos uma boa camada de verniz. Entendemos o lugar das sutilezas e das sofisticações. Somos pais mais carinhosos e presentes. E filhos mais atenciosos, sem dúvida.

Deles herdamos uma quase irresponsável ousadia empreendedora. Uma rebeldia que precisa ser domesticada a cada cretino se põe diante de nós juntando poder e falta de coerência (e como há cretinos no mundo...).

Perder meu pai e agora o último e mais jovem dos seus irmãos é um jeito que o mundo alerta para a necessidade de construir o novo, de encarar o futuro. Para nós, primos que carinhosamente nos unimos em mais uma perda, restará o olhar dos nossos filhos, daqui a alguns anos, recordando aquilo que para eles representamos.

De algum modo, a vida nos diz que precisamos preservar o que dos Sclavi recebemos, sem esquecer o nosso próprio legado. Presuntos, mortadelas e brigas à parte, o fato é que agora somos órfãos dessa referência, ao menos fisicamente neles representada.

Na velha bota, as novas gerações preservam a assinatura em bons vinhos na Azienda Agricola Sclavi Davide. Nos quadrinhos, Tiziano Sclavi é uma sumidade. Na gastronomia, tem Sclavi do Mediterrâneo até a terra do Tio Sam.

Com Miltinho, Cristina, Nelsinho e Gisleine por perto senti a cada abraço, a cada afago, esse toque de orfandade, mas, também, um forte senso de responsabilidade. Sou o caçula do grupo mas acho que essa italianada, onde estiver, há de olhar pra cá com orgulho!

Talvez não haja entre nós quem saque um microfone para cantar A volta do Boêmio no casamento de um dos nossos rebentos. Mas não lhes faltará o orgulho de ser o que são, a força para erguer e reerguer seu mundo, o apreço por inovar e inventar a própria história.

Vencer 2016 não significa deixar de lado a memória daqueles que perdemos,  nem as origens desse nome que carregamos. Cruzar esse ano tão especialmente difícil é também uma forma de parar o tempo e reafirmar o que dele queremos, para onde estamos seguindo e qual será a nossa herança.


Façamos como Cartier Bresson! Desenhemos de agora em diante nosso próprio tempo!