Talvez esse ano queira nos dizer algo muito importante. Algo
sobre a finitude.
De verdade, não encaro isso de um modo necessariamente
difícil e doloroso, mas apenas como uma forma de medir o tempo.
Henri Cartier Bresson, Pelé do fotojornalismo, terminou seus
dias desenhando paisagens. Ele dizia que passou a vida escravo de instantes,
entre um clic e outro, e chegava a hora de escravizar o seu algoz, o tempo.
O último irmão do meu pai nos deixou e – como lembra bem meu
primo Nelson – com ele se vai também nossa última referência de um jeito de ser
importado de um lugarejo no norte da Itália. Um jeito Sclavi.
Sempre que algo nos move para além de nós – algo que vai da
fome atávica à voz de volume desmedido ou mesmo ao jeito impulsivo de fazer e
decidir – lembramos que nos unimos por esse sobrenome e seus altos e baixos.
Mas também é fato que somos muito diferentes. Ganhamos uma
boa camada de verniz. Entendemos o lugar das sutilezas e das sofisticações. Somos
pais mais carinhosos e presentes. E filhos mais atenciosos, sem dúvida.
Deles herdamos uma quase irresponsável ousadia
empreendedora. Uma rebeldia que precisa ser domesticada a cada cretino se põe
diante de nós juntando poder e falta de coerência (e como há cretinos no
mundo...).
Perder meu pai e agora o último e mais jovem dos seus
irmãos é um jeito que o mundo alerta para a necessidade de construir o novo, de
encarar o futuro. Para nós, primos que carinhosamente nos unimos em mais uma
perda, restará o olhar dos nossos filhos, daqui a alguns anos, recordando
aquilo que para eles representamos.
De algum modo, a vida nos diz que precisamos preservar o que
dos Sclavi recebemos, sem esquecer o nosso próprio legado. Presuntos,
mortadelas e brigas à parte, o fato é que agora somos órfãos dessa referência,
ao menos fisicamente neles representada.
Na velha bota, as novas gerações preservam a assinatura em
bons vinhos na Azienda Agricola Sclavi Davide. Nos quadrinhos, Tiziano Sclavi é
uma sumidade. Na gastronomia, tem Sclavi do Mediterrâneo até a terra do Tio
Sam.
Com Miltinho, Cristina, Nelsinho e Gisleine por perto senti
a cada abraço, a cada afago, esse toque de orfandade, mas, também, um forte
senso de responsabilidade. Sou o caçula do grupo mas acho que essa italianada,
onde estiver, há de olhar pra cá com orgulho!
Talvez não haja entre nós quem saque um microfone para
cantar A volta do Boêmio no casamento de um dos nossos rebentos. Mas não lhes faltará
o orgulho de ser o que são, a força para erguer e reerguer seu mundo, o apreço por
inovar e inventar a própria história.
Vencer 2016 não significa deixar de lado a memória daqueles
que perdemos, nem as origens desse nome que
carregamos. Cruzar esse ano tão especialmente difícil é também uma forma de
parar o tempo e reafirmar o que dele queremos, para onde estamos seguindo e qual
será a nossa herança.
Façamos como Cartier Bresson! Desenhemos de agora em diante
nosso próprio tempo!