O mundo padece de uma epidemia de surdez.
Isso mesmo! As pessoas querem falar, falar, falar... e têm tão pouco a dizer...
Ficam surdas com sua própria fala, perdidas na sua vaidade. Conversas se
transformam em competições de histórias vividas, sem aprendizado, sem comunhão.
O sujeito começa a falar de uma
doença, de um sofrimento físico e recebe como resposta uma enxurrada de viroses
e infecções pretensamente maiores que as dele. O outro conta uma dor de amor e
todas as dores do mundo lhe tomam de assalto, como se a sua, naquele momento,
não fosse única e digna de ser compartilhada.
Naquela noite eu tinha algo a dizer
sobre uma experiência mágica que acontecera comigo. Queria dividir um momento à
frente de um altar com a repetição mântrica de uma sequência de Ave Maria’s,
acompanhado da minha filha.
Esse momento, essa vivência foi
transformadora e, desde então, mentalmente revivo a ladainha em momentos tensos
que procuram respostas além do raciocínio cartesiano, da lógica simplória.
O grupo, formado por gente que gosto
de frequentar, não estava disposto a ouvir o que tinha a dizer. Talvez o local
não fosse o mais adequado, enfim... Mas, do outro lado da mesa, alguém me
olhava, apertando os olhos e formando um biquinho lindo para alcançar minha
prosa.
Ela realmente prestava atenção, estava
interessada naquilo que eu tinha a dizer. E, meu Deus, que moça linda, suave,
doce... Fez perguntas pertinentes e observações encantadoras, dessas que deixam
uma mulher bonita ainda mais bela...
Fisguei seu nome entre um comentário e
outro. Rebeca era aquela que sabia escutar.
No dia seguinte, corri para o facebook
rastreando a donzela que não saía da minha cabeça e já conquistara parcela
importante do meu coração.
Escrevi e reescrevi umas 18 vezes o
recadinho com o endereço deste blog, local virtual onde procuro desnudar minha
alma. Tudo o que consegui foi o formal:
Oi Rebeca,
Esse é o blog sobre o qual falamos...
Esse é o blog sobre o qual falamos...
E ela, bem
mais inteligente e sutil, respondeu:
Meu
terço...de coração e alma. Obrigada por compartilhar
Não, definitivamente não seria uma tarefa fácil conquistar a
mulher de olhos apertados. Teria que continuar falando com o coração, sem
disfarces. Afinal, ela não me conhecera em um ritual barato de galanteio.
Falava da minha vida, do meu altar...
Corri para o mesmo bar no dia seguinte em busca de aliados nessa
difícil cruzada. Um amigo prometeu seu apoio para um segundo encontro e fiquei
animado. Mas, não podia bancar o babão! O jogo não era esse.
Marcamos na outra quinta-feira, no mesmo bat-local! Cheguei cheio
de vontade porém decidido a permanecer cuidadoso. Estava diante de uma mulher
delicada, desabituada a movimentos bruscos.
Mais uma noite que exercitamos o ouvido e, dessa vez, com mais
atenção, os olhos, aprofundando aquela sensação adolescente de encantamento que
o mundo adulto perdeu de vista.
Queria tomar-lhe nos braços, mas nem tinha o telefone da moça
bonita e atenta. Pensei: “ Ronald, fique apenas de olhos e ouvidos bem abertos.”
Além do que, restava a dúvida: será que ela apenas me ouvia, me
via, ou, de fato, estava tão ansiosa quanto eu para mergulhar nos outros
sentidos?
Ao final da noite, quando minha princesa anunciou a partida,
levantei no mesmo momento e fiz questão de acompanha-la, como fazia com as
minhas paixões de infância, até o portão da sua casa.
Ponto para o rapaz atencioso, saberia semanas mais tarde.... Sim,
ao final daquela noite um novo sentimento nos tomava de assalto. Algo que, ao
lado do desejo, da vontade, é essencial para a sobrevivência do amor: a
admiração.
Nesse quesito, a cada dia me sinto mais orgulhoso da mulher que me
acompanha. Profissional de princípios firmes e competência reconhecida, mãe
atenta e mulher encantadora a cada gesto. Tudo muito junto em uma mistura
fascinante.
Sem disfarçar minha ansiedade – homens são cachorros ansiosos – quando deixei
Rebeca no seu portão saquei um convite para jantar. É... ali, deixei claro, sem
muita cerimônia, que queria muitas e muitas noites com aquele olhar e o
biquinho lindo que ressurgia nos seus momentos de atenção às minhas falas, aos
meus dizeres.
Será que passei do ponto? Que não era a hora? O tempo respondeu
não.
O jantar aconteceu na semana seguinte com uma esticada para aquele
mesmo bar onde finalmente tomei a moça nos braços e a beijei longa e
decisivamente. Beijos de matinê de cinema, com o som de uma chuva pesada que
completava o cenário do mundo caindo aos nossos pés.
Já éramos namorados naquele momento, mesmo sem nada declarado.
Construímos nesses três encontros aquilo que até hoje cultivamos com o cuidado
dos jardineiros que plantam uma palmeira que transcenderá suas próprias vidas.
A conquista, a boa ansiedade, a saudade que percorre as montanhas das
Gerais e contorna os prédios da Paulista, as tardes com sol ou chuva, as ondas
de Ubatuba, os botecos da Vila Madalena, nossas meninas, nossos papos e
comidinhas. Nada deixamos de lado.
Toda vez que a encontro, o meu coração bate meio desgovernado e,
faça chuva ou faça sol, o mundo novamente pára pra servir de cenário deste amor
maduro.
Trocamos brigas por risadas. Aceitamos o passado como patrimônio e
aprendizado. Vamos para o mundo sem sair da toca. Somos donos do nosso próprio
destino, mas também sabemos ser um do outro com fidelidade e entrega.
É para ela que mando o meu primeiro bom dia: pessoalmente, por
sms, face ou, simplesmente, pelo meu melhor pensamento, quando nada mais
funciona.
Adoro me desfazer em declarações escandalosas, mas continuo com
ouvidos abertos para cada história: do almoço com o cliente, os conflitos de
família ao telefonema sem motivo apenas para um 'eu te amo' no meio da tarde.
Em poucos meses juntos, retomamos votos ancestrais de construir
algo novo e verdadeiro ou, simplesmente, reconstruir a utopia do eterno.
Mas, que fique bem claro! Seremos sempre namorados e.... quer
saber? Encontramos a melhor fórmula – atenção, desejo, admiração e cuidado!
Essa é a ladainha que depositamos no altar da vida, que nos
recompensa a cada dia com uma deliciosa brisa de felicidade!