Era uma noite de sexta-feira. Eu e aquele maluco saímos do Shampoo lá pelas 4 da madruga, embriagados, naquela Puma vermelha, 1978. No banco do passageiro, a bela Sandra, ou simplesmente Gá, como a chamávamos, nos brindava com seu sorriso lindo e a voz firme de sempre.
Destino: Guarujá – aquele lugar ainda mágico, onde passamos
os melhores anos das nossas vidas. Mal sabia aquele garoto de 16 anos que ali
começaria uma viagem que só encontraria seu destino final, quase três décadas
mais tarde....
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Na minha vida colecionei alguns
poucos heróis. Fantasma foi um deles, com sua roupa vermelha e Capeto – que não
era um cachorro, mas sim um lobo. Queria ter a dignidade daquele sujeito que
defendia os Pigmeus da floresta de Bandar com duas inocentes pistolas, a bordo
do seu cavalo branco.
Outro herói, este de carne e
osso, dá nome a esse blog: meu vô João, que me ensinou a pescar, a cultivar o
respeito pelas pessoas, a gentileza e a elegância fundamental para uma vida
forjada a partir das relações.
Mas, o herói que mais me
influenciou foi um sujeito bonito, com voz trombônica, que abriu alas para a
passarela na qual hoje desfilo com razoável desenvoltura. Estabanado, maluco
que só, esse sujeito sempre foi minha maior inspiração.
A lembrança mais remota vem da
rua Joaquim Nabuco, em São Caetano do Sul, nossa primeira casa. Aquele sujeito
combinava com os amigos a compra de um Aero Willys velho no qual fariam uma
pintura de fogo nas laterais para percorrer a longa distância que separava o
ABC paulista da doceira Brunella, em Moema, São Paulo.
- Vamos colocar catraca na porta
para a mulherada entrar, dizia o moço impetuoso.
Em princípio, fiquei encantado
com o plano. Mas, dias depois, recebi a notícia que o filho de um milionário da
região morreu em uma corrida de carros. Preocupado com meu herói, denunciei o
plano e, claro, tudo caiu por terra.
Esse cara reunia legiões no
Guarujá, naquela varanda incrível da nossa casa de praia, para noites musicais
que teceram a trilha sonora da minha vida. Ouvíamos de Chico à Led Zepplin, de
Caetano a Lo Borges, ao som daquela flauta doce que soava como se o amanhã
nunca existisse.
Como sonhei em ser esse cara.
Queria o olhar das moças encantadas pela sua lábia envolvente. Queria os amigos
eternos que nunca o abandonariam. Queria aquela Suzuki azul metálica, com motor
cromado que desbravava os poucos quilômetros de ruas de terra que delimitavam
as nossas férias.
O tempo foi passando e uma
segunda fotografia me marcou profundamente. Meu herói chorava pela sua primeira
paixão, uma tal de Lilian, de memória incerta, sua primeira paixão. O primeiro
de muitos choros e sofrimentos que me ensinaram que o amor não era algo
simples, mas, se não fosse intenso, não teria o menor valor.
Anos mais tarde, ainda com
Fantasma no meu criado-mudo, nosso herói resolveu me explicar como nascem os
bebês. Explicou tudo com cuidado, com um livro de biologia em mãos.
No dia seguinte, descobri meu
talento didático. Contei para todos os meninos da rua das Palmeiras, em Santo
André, o que tinha aprendido.
Danilo, grande amigo que se
perdeu no tempo, lançou a dúvida:
- Como funciona, quando um casal
tem filhos gêmeos?
Respondi sem titubear:
- Nasce um, nove meses depois,
nasce outro!
O livro de biologia não seria o
primeiro. Meu mito em forma de irmão me presenteou com dois outros exemplares
que são a síntese da minha personalidade.
O primeiro, O Encontro Marcado,
de Fernando Sabino. Aquela boemia mineira e os personagens do famoso encontro convivem
comigo, aqui entre as montanhas das Gerais. Mais do que isso, essa obra é minha
essência boêmia, minha alma botequeira.
O segundo, 20 mil Léguas
Submarinas, de Julio Verne, fez-me sonhar e alimentou esse espírito futurista,
com dois pés no passado.
Após a leitura desses clássicos, mal
sabia, nascia em minha alma um jornalista.....
Aprendi tudo o que sei de
galanteios e cantadas com esse cara mágico. Esperto, carregava o irmão mais
novo para as noites de namoro nas casas das namoradas. O truque era simples: o
danado ficava com a moça na sala enquanto eu encantava sogras e cunhadas com
aquela carinha de anjo.
Na adolescência, ganhei meu
melhor amigo dentro de casa. Vagávamos de bar em bar, paquerávamos juntos e,
talvez naquele momento, desenvolvi essa preferência toda própria por mulheres
maduras, já que o nosso herói dista 9 anos do meu surgimento e disputávamos o
mesmo target.
Mesmo com a diferença de idade,
cansamos de brincar de gêmeos já que, ao longo da vida, alternamos momentos de
aparências mais jovens e mais velhas que acabavam nos aproximando no tempo e na
vida.
Soube, com absoluta
exclusividade, do seu primeiro casamento, da paternidade e de tantas outras
noticias boas e más. A regra entre nós sempre foi uma cumplicidade impar.
Tenho certeza que, se um dia, eu
dissesse:
- Cara, roubei um banco!
Ele diria:
- Isso é o que estão dizendo por
aí. Você apenas fez um empréstimo.
Sim, caro leitor, meu herói
sempre foi um porto seguro, que quebrou a cara antes de mim, apontando caminhos
pelos quais não deveria passar.
No meio dessa jornada, ensinou-me
uma generosidade que custo a incorporar.
Nunca faltou-lhe um sorriso, uma
palavra otimista, um gesto de carinho, uma palavra doce...
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Quase trinta anos depois daquela
viagem maluca, Gá me chama no Orkut, dizendo:
- Roninho, como você cresceu....
No mesmo momento, voltei ao
Guarujá e àquela noite que me mostrou o melhor casal do mundo. Dois malucos que
faziam da vida uma deliciosa e irresponsável aventura.
Vesti minhas asas de cupido e fiz
o diabo para reunir o casal dos meus sonhos.
Bingo!
Como não poderia deixar de ser,
naquele Carnaval, a moça desembarcou em Sampa depois de décadas no continente
americano, para encontrar o seu amor.
Rapidamente, se reapaioxonaram e construíram
juntos um canto lindo, resumo desse conto de fadas torto e contemporâneo que
inspirou minha história.
Agora, Valtinho e Gá, partem a
bordo da mesma Puma, com asas prateadas como acessório, para uma nova aventura.
Dessa vez, o menino de 16 anos
não poderá seguir no banco traseiro. Ele virou homem, graças a esse herói
maluco-beleza que nunca lhe negou um ombro.
Ficarei com a lembrança de cada
risada espalhafatosa, dos pimentões em todos os pratos, do azeite absurdo no
meu risoto, dos almoços de domingo na mesa de Dna Helen, do carinho com a minha
cor-de-rosa e desse delicioso molho que me fez homem.
Com as bênçãos de Valtão e Vô
João, encho o meu peito de saudades e, ao som da sua flauta doce, digo pra quem
quiser ouvir:
- Te amo, meu herói! Siga o seu
destino, nas asas da vida, no coração da sua amada e nos braços de Deus!