quarta-feira, 9 de maio de 2012

Meu herói....


Era uma noite de sexta-feira. Eu e aquele maluco saímos do Shampoo lá pelas 4 da madruga, embriagados, naquela Puma vermelha, 1978. No banco do passageiro, a bela Sandra, ou simplesmente Gá, como a chamávamos, nos brindava com seu sorriso lindo e a voz firme de sempre.
Destino: Guarujá – aquele lugar ainda mágico, onde passamos os melhores anos das nossas vidas. Mal sabia aquele garoto de 16 anos que ali começaria uma viagem que só encontraria seu destino final, quase três décadas mais tarde....
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Na minha vida colecionei alguns poucos heróis. Fantasma foi um deles, com sua roupa vermelha e Capeto – que não era um cachorro, mas sim um lobo. Queria ter a dignidade daquele sujeito que defendia os Pigmeus da floresta de Bandar com duas inocentes pistolas, a bordo do seu cavalo branco.
Outro herói, este de carne e osso, dá nome a esse blog: meu vô João, que me ensinou a pescar, a cultivar o respeito pelas pessoas, a gentileza e a elegância fundamental para uma vida forjada a partir das relações.
Mas, o herói que mais me influenciou foi um sujeito bonito, com voz trombônica, que abriu alas para a passarela na qual hoje desfilo com razoável desenvoltura. Estabanado, maluco que só, esse sujeito sempre foi minha maior inspiração.
A lembrança mais remota vem da rua Joaquim Nabuco, em São Caetano do Sul, nossa primeira casa. Aquele sujeito combinava com os amigos a compra de um Aero Willys velho no qual fariam uma pintura de fogo nas laterais para percorrer a longa distância que separava o ABC paulista da doceira Brunella, em Moema, São Paulo.
- Vamos colocar catraca na porta para a mulherada entrar, dizia o moço impetuoso.
Em princípio, fiquei encantado com o plano. Mas, dias depois, recebi a notícia que o filho de um milionário da região morreu em uma corrida de carros. Preocupado com meu herói, denunciei o plano e, claro, tudo caiu por terra.
Esse cara reunia legiões no Guarujá, naquela varanda incrível da nossa casa de praia, para noites musicais que teceram a trilha sonora da minha vida. Ouvíamos de Chico à Led Zepplin, de Caetano a Lo Borges, ao som daquela flauta doce que soava como se o amanhã nunca existisse.
Como sonhei em ser esse cara. Queria o olhar das moças encantadas pela sua lábia envolvente. Queria os amigos eternos que nunca o abandonariam. Queria aquela Suzuki azul metálica, com motor cromado que desbravava os poucos quilômetros de ruas de terra que delimitavam as nossas férias.
O tempo foi passando e uma segunda fotografia me marcou profundamente. Meu herói chorava pela sua primeira paixão, uma tal de Lilian, de memória incerta, sua primeira paixão. O primeiro de muitos choros e sofrimentos que me ensinaram que o amor não era algo simples, mas, se não fosse intenso, não teria o menor valor.
Anos mais tarde, ainda com Fantasma no meu criado-mudo, nosso herói resolveu me explicar como nascem os bebês. Explicou tudo com cuidado, com um livro de biologia em mãos.
No dia seguinte, descobri meu talento didático. Contei para todos os meninos da rua das Palmeiras, em Santo André, o que tinha aprendido.
Danilo, grande amigo que se perdeu no tempo, lançou a dúvida:
- Como funciona, quando um casal tem filhos gêmeos?
Respondi sem titubear:
- Nasce um, nove meses depois, nasce outro!
O livro de biologia não seria o primeiro. Meu mito em forma de irmão me presenteou com dois outros exemplares que são a síntese da minha personalidade.
O primeiro, O Encontro Marcado, de Fernando Sabino. Aquela boemia mineira e os personagens do famoso encontro convivem comigo, aqui entre as montanhas das Gerais. Mais do que isso, essa obra é minha essência boêmia, minha alma botequeira.
O segundo, 20 mil Léguas Submarinas, de Julio Verne, fez-me sonhar e alimentou esse espírito futurista, com dois pés no passado.
Após a leitura desses clássicos, mal sabia, nascia em minha alma um jornalista.....
Aprendi tudo o que sei de galanteios e cantadas com esse cara mágico. Esperto, carregava o irmão mais novo para as noites de namoro nas casas das namoradas. O truque era simples: o danado ficava com a moça na sala enquanto eu encantava sogras e cunhadas com aquela carinha de anjo.
Na adolescência, ganhei meu melhor amigo dentro de casa. Vagávamos de bar em bar, paquerávamos juntos e, talvez naquele momento, desenvolvi essa preferência toda própria por mulheres maduras, já que o nosso herói dista 9 anos do meu surgimento e disputávamos o mesmo target.
Mesmo com a diferença de idade, cansamos de brincar de gêmeos já que, ao longo da vida, alternamos momentos de aparências mais jovens e mais velhas que acabavam nos aproximando no tempo e na vida.
Soube, com absoluta exclusividade, do seu primeiro casamento, da paternidade e de tantas outras noticias boas e más. A regra entre nós sempre foi uma cumplicidade impar.
Tenho certeza que, se um dia, eu dissesse:
- Cara, roubei um banco!
Ele diria:
- Isso é o que estão dizendo por aí. Você apenas fez um empréstimo.
Sim, caro leitor, meu herói sempre foi um porto seguro, que quebrou a cara antes de mim, apontando caminhos pelos quais não deveria passar.
No meio dessa jornada, ensinou-me uma generosidade que custo a incorporar.
Nunca faltou-lhe um sorriso, uma palavra otimista, um gesto de carinho, uma palavra doce...
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Quase trinta anos depois daquela viagem maluca, Gá me chama no Orkut, dizendo:
- Roninho, como você cresceu....
No mesmo momento, voltei ao Guarujá e àquela noite que me mostrou o melhor casal do mundo. Dois malucos que faziam da vida uma deliciosa e irresponsável aventura.
Vesti minhas asas de cupido e fiz o diabo para reunir o casal dos meus sonhos.
Bingo!
Como não poderia deixar de ser, naquele Carnaval, a moça desembarcou em Sampa depois de décadas no continente americano, para encontrar o seu amor.
Rapidamente, se reapaioxonaram e construíram juntos um canto lindo, resumo desse conto de fadas torto e contemporâneo que inspirou minha história.
Agora, Valtinho e Gá, partem a bordo da mesma Puma, com asas prateadas como acessório, para uma nova aventura.
Dessa vez, o menino de 16 anos não poderá seguir no banco traseiro. Ele virou homem, graças a esse herói maluco-beleza que nunca lhe negou um ombro.
Ficarei com a lembrança de cada risada espalhafatosa, dos pimentões em todos os pratos, do azeite absurdo no meu risoto, dos almoços de domingo na mesa de Dna Helen, do carinho com a minha cor-de-rosa e desse delicioso molho que me fez homem.
Com as bênçãos de Valtão e Vô João, encho o meu peito de saudades e, ao som da sua flauta doce, digo pra quem quiser ouvir:
- Te amo, meu herói! Siga o seu destino, nas asas da vida, no coração da sua amada e nos braços de Deus!

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Jack, Francis, Chico e Caetano


A garrafa era linda, com formato de gota e uma tampa robusta revestida em cortiça. Derramei a primeira dose já com lágrimas nos olhos, no chão de carpete daquela sala simpática, meu primeiro apartamento. Meu amigo não estava ali. Era o seu destino que eu recusava gole a gole...

Comprei aquela edição especial de Jack Daniels  para beber ao som das canções de Caetano que ele me ensinara a ouvir e admirar....

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Sempre tive aversão aos teóricos da chamada “liderança”, essa gente que prega a ideia de que pessoas podem transformar-se em líderes mediante algum tipo de treinamento.  Bobagem grande.  Esse expediente faz de jovens promissores chefes inexperientes, verdadeiros maquiavéis-mirins que tentam exercer poder sem maturidade.

Os teóricos fecham um estereótipo e ensinam os pobres meninos e meninas a reproduzi-lo, como papagaios corporativos.... Sem verdade!!!!

Já tive líderes de todos os tipos, cores, sexos e humores. Alguns gritavam, outros sorriam! Alguns eram nervosos, outros calmos! Enfim, nenhum padrão, apenas uma capacidade de reunir em torno de si um grupo de pessoas com um sentimento muito especial: a admiração.

Hoje, comando um grupo de jovens brilhantes com um brilho nos olhos típico de um momento muito especial que vivi nos anos 90. Éramos todos muito jovens e mal sabíamos que estávamos fazendo história.

Sonhávamos o sonho de Fernando Vieira de Mello, sujeito genial, personagem fixo desse blog, que, após 40 anos de Rádio Jovem Pan, inaugurava sua própria rádio. Mas, esse general tinha um coronel que era quase seu oposto, seu espelho.

Sujeito magro, desengonçado, com óculos de grau e olhos apertados. Vestia sempre uma calça com a camisa pra fora, ambas de largas e confortáveis.

Aquele moço beirando os trinta anos tinha uma deselegância charmosa, falava baixo e não mandava: convencia. Em torno dele, todos nós, meninos e meninas – muitas meninas – trabalhávamos com vontade e bom humor.

O nome era Paulo Franciscon, filho de um juiz de futebol que conheci na redação da Pan. Ele era editor de matérias e trabalhava em dupla com Thays Freitas, unindo textos e sons em matérias sempre muito bem acabadas.

Na nova rádio, assumia funções de responsabilidade e, de fato, sem um cargo formal, comandava a garotada.

Fernando Silva e Arnaldo Comin (seus fiéis escudeiros) produziam os textos do primeiro jornal que tinha como âncora o barulhento e polêmico Ney Gonçalves Dias. Trabalhavam de madrugada, sob a batuta daquele maestro de gestos tímidos.

Eu, Andréa Martins e, mais tarde, Ana Paula Sousa e Silvia Correa, cuidávamos das notícias policiais sob a supervisão de Hélvio Borelli, repórter experimentado com fontes espalhadas por toda a cidade.

Ana Paula, aliás, tínhamos duas. A segunda, Anna Buchala, trabalhava ao lado de Maria Elisa Porchat, ambas sempre muito elegantes, no meio daquela garotada desajeitada.

Depois do primeiro jornal - o Jornal É - era a vez da nossa revista diária, o programa É de manhã, dirigido por Adriana Meola, musa do nosso herói.

Casal bonito de se ver, inspirou namoros e relações intensas que hoje ganham um ar nostálgico e bom de lembrar.

Até porque, depois da rotina hard news (ou no meio dela...) não faltavam noitadas em botecos, ou nos apartamentos dos amigos, regados às caipirinhas de Rui Monteiro, muito cigarro e discussões calorosas.

Uma das pautas mais frequentes era a briga Chico x Caetano, com palpites cheios de história do mestre Sabá, comentarista musical que sacava da sua agenda telefones de ícones da MPB.

Com seu contra-baixo, Sabá iluminou noites memoráveis ao lado de Comin no violão, dono da melhor versão de Georgia depois de Ray Charles.

Naquela turma havia lugar para outras figuras, as mais diversas. Inesquecíveis o sorriso de Luciana DelFiol; o uniforme de aeromoça de Andrea Ciaffone; Claudia Granadeiro e o seu francês impecável; os papos com Regina Augusto durante os plantões; Dedé Gomes provocando os locutores durante o jornal e outras tantas histórias.

Meninos como Guilherme Gaspar, Ana Carolina Soares e Luciana Bonafé dividiam as barulhentas máquinas de escrever com jornalistas da velha guarda, que seguiam os passos de Fernando por onde quer que ele fosse ....

Para esse grupo, Franciscon era uma espécie de porto seguro, confidente, leal e amável. Aprendi com esse rapaz a ouvir com calma, argumentar com propriedade, ceder sem abaixar a cabeça.

Com aquele jeitinho tímido, Francis era o único capaz de fazer Fernandão mudar de idéia, segurar a língua do Ney e discutir pautas com medalhões do rádio, como Milton Parron, o repórter da cidade.

O jovem chefe coordenou uma cobertura improvável por telefone quando Dr. Ulysses Guimarães desapareceu em um acidente de helicóptero. Falamos ao vivo com barcos salva-vidas que participavam das buscas em mares cariocas.

Ainda por telefone, sob o seu comando, cobrimos a renúncia de Collor, o assassinato de Daniela Peres, dezenas de rebeliões e histórias cheias de emoção e verdade, de um jornalismo com poucos recursos e muita paixão.

Franciscon também sabia ser duro. Levei boas broncas do meu amigo com meus atrasos semanais, descuidos de informação e outros deslizes típicos dos focas metidos como todos nós éramos.

Esse cara nos fazia acreditar que éramos muito melhores do que poderíamos ser. Acreditamos e fomos! Simples assim!

Essa turma está toda muito bem colocada. Muitos de nós, sem falsa modéstia,  referências em suas áreas de atuação.

Eu deixei o jornalismo para assumir uma empresa familiar, mas o velho Francis continuava na minha vida, na minha rotina.

Acreditava que ficaria longe do jornalismo, mas perto das pessoas, dos meus amigos, daquela gente que já era parte da minha história. Mais tarde, descobri que não conseguiria negar a vida que escolhi e voltei....

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Na minha lua-de-mel, após uma viagem para Argentina, comprei aquela garrafa. Franciscon e Adriana seriam meus convidados especiais para uma noite de boas lembranças. Falaria dos meus planos de homem casado, do sonho de Luísa, da construção da vida adulta...

Fernando Silva, já na chefia de reportagem da Rede Globo, me ligou com voz embargada. Um câncer pegou de surpresa o nosso chefe-menino.

Depois dessa notícia, falei com Franciscon apenas duas vezes. Uma delas, no aniversário de Ana Paula Sousa. Ele falava sobre a doença com a tranquilidade de sempre...

Na segunda vez, por telefone às vésperas de um revellion, de 97 ou 98, tentei elevar o humor do meu amigo e depois desmanchei.

Mas a verdadeira despedida aconteceu quando abri aquela garrafa de Jack Daniels. Recordei os melhores momentos, as maiores lições, ao som da voz chorosa de Caetano, cantando If you hold a stone.

O ídolo de Franciscon gravou essa canção na solidão londrina, durante seu exílio. Como Caetano, chorei a solidão que se anunciava para mim e para essas pessoas que perderiam uma referência tão importante.

Durante muitos anos, meu cérebro negava a perda. Queria compartilhar meus bons momentos, as conquistas, os sonhos realizados e dizer o quanto aquele sujeito foi fundamental para o homem que eu tentava forjar.

Hoje, entre um Jack Daniels e outro, a saudade bate...

Mas o fato é que, graças à liderança de Franciscon, nós - os meninos e meninas da Trianon - nos conservamos perto, mesmo que distantes. Vez ou outra, nos reencontramos, com filhos crescidos, histórias vividas e um especial senso de proteção, de querer bem.

Nunca responderemos quem foi o melhor, Chico ou Caetano... Acho que o melhor foi Franciscon que nos uniu a todos.

Um brinde, meu velho!
http://www.youtube.com/watch?v=TYRcKaXw6EQ&feature=share