A idéia de mudar o passado é das maiores descobertas que fiz
no presente. Tenho um apego com o tempo e a memória que só agora compreendo com
mais clareza.
Muito, muito além da simples nostalgia – sentimento meio
bobo e pouco funcional – o passado é uma fonte de aprendizado, inspiração e
explicação para o futuro.
Teorias metafísicas a parte, tive problemas sérios com isso.
Pouca gente compreende esse meu convívio com o passado e o jeito com que lido
com ele. Para mim, esse cara é como um amigo de boteco.
Ele chega de leve, senta-se ao meu lado, pede mais uma e
seguimos num bate-papo sem pretensão, cheio de histórias e aprendizados.
Outro dia ele se aproximou com um problema daqueles. Estava
triste, o Passado... De dar dó! Coloquei o amigo no ombro e ouvi sua lamúria
com atenção.
Outro sujeito, um tal de Futuro, vendo aquilo não se
conformou com o tempo dispensado ao passado.
Foi duro comigo e
disse algo assim:
- Não se apegue a esse pobre coitado! Olhe pra frente!
Indignado retruquei:
- Mas, futuro, não diga isso. O Passado precisa de
socorro... Não seja tão insensível.
O futuro, com sua empáfia, não arredou:
- Passado não muda, rapaz! O que foi triste continuará
triste! Conheço esse cara e sei do que estou falando.
Não me deixei dobrar. Pedi uma caipirinha, mais uma gelada e
o Passado foi mudando sua fisionomia. O amigo recordou os bons tempos e viu que
o seu problema não era tão grave assim. Outros amigos juntaram-se a nós.
Lá estava a Saudade - moça linda que só - e Mocidade chegou em
seguida, toda faceira, com a filha, de vestido rodado: a menina Infância.
Também juntou-se a nós dona Memória, figura inteligente e
elegante, apesar da idade avançada. Inteirona, estava preocupada com uma doença
nova, mas diante de uma roda tão inspirada, esqueceu tudo...
Futuro continuou no balcão, carrancudo e sem graça. Passado, aliviado das suas dores, chamou o
casmurro.
- Chega mais, seu Futuro. Deixe de coisa... Venha pra cá que
eu garanto: amanhã será um novo dia.
Com nariz torcido, Futuro atendeu ao convite. Quando puxou a
cadeira, na porta do bar, algo lhe roubou o olhar.
Como era linda aquela princesa. Tinha cabelos dourados e um
sorriso que iluminava o mundo. Não era possível desgrudar os olhos dela.
Veio na direção da nossa mesa. Eu, Passado e Futuro nos
levantamos prontamente. A bela sentou-se e éramos só sorrisos. O futuro ficou
definitivamente apaixonado. Passado nem lembrava qual era o problema do início
da noite.
Discretamente, para que Futuro não ficasse enciumado, me
aproximei e perguntei seu nome.
Com voz doce e amável, respondeu:
- Esperança!