Alguns defendem que um casamento estável só se mantem quando
o homem e a mulher aprendem a renovar seus votos sempre, cotidianamente. Como
se fosse possível um recasamento por mês, por semana, por semestre, revalidando
a relação.
É um paradoxo. Ora, se o relacionamento é estável, pra que
renovar?
Simbolicamente, casais cristãos retomam o matrimônio e os
votos aos 25 anos de união, depois aos 50, antes de chorar a perda daquele que
resolve partir primeiro.
Penso comigo... 25 anos? É muito, muito tempo... Minha pobre
vidinha ainda não cruzou essa ponte duas
vezes e, mesmo assim, já percorri um caminho cheio de retas de sol, mas nunca
livre de curvas sinuosas e buracos assustadores.
Por outro lado, iconoclasta que sou, tendo a concordar com a
tese do recasamento em um sentido mais simples, mais fácil de entender.
O casamento em si tem muito, muito a ver com aquele dia em
que os noivos depositam no altar a esperança de uma vida, com a crença inequívoca
em valores como fidelidade, união, família...
Prometem algo que absolutamente não dominam, mas acreditam:
a eternidade.
Casamentos são sempre emocionantes e cafonas. A começar pela
roupa. A mulher fantasiada de branco, nunca mais repete o vestido, tal a sua
inadequação para qualquer outro momento da vida. O sujeito, típico pinguim,
fica tão a vontade quanto um gato no meio do oceano.
E os convidados? No lado masculino, aquele monte de amigos
fazendo o bolão sobre o quanto vai durar o enlace. As moças, bem mais cruéis,
cutucam-se na crítica dos vestidos umas das outras, da decoração, maquiagem e
tudo mais...
Isso sem falar da multidão que jura ter carregado no colo
cada um dos noivos. Ao final da festa do meu primeiro casamento pensava o
quanto os meus pais foram irresponsáveis na minha primeira infância. Acho que jamais
embalaram o meu sono, tal a quantidade de gente que me teve em seus braços...
Mesmo com tamanha previsibilidade, casamentos emocionam.
Aquele momento em que os noivos prometem ser fiéis “na saúde e na doença, na
alegria e na tristeza, amando e respeitando....” é de tirar o fôlego.
Esse momento, esse sim, este é o verdadeiro casamento.
Até do ponto de vista religioso, o sim representa o grande
sinal do matrimônio. Sem ele, nada adiantaria. É a vontade expressa de duas
pessoas que se amam que está em jogo. Nada é mais forte que a vontade e o amor!
Mas, cá entre nós, pra que o vestido exagerado, aquela gente
toda e tanta fofoca? Dizer sim é muito mais simples.
Fico com o momento e a promessa e me casarei quantas vezes o
meu coração tiver vontade de repetir esse singelo e verdadeiro sim.
Foi como aconteceu na praça de Santelmo, em Buenos Aires, no
último dia 03 de novembro. Lugar lindo aquele. Cercado de lembranças que
resignificam quando objetos marcados pelo tempo trocam de mãos.
Aquele relógio de bolso, o camafeu, a porcelana rococó...
Quantas horas contadas a espera de boas notícias? Quantos vestidos enfeitados
ao longo de uma vida? Quantos chás solenes em tardes invernais?
Agora em outras mãos, serão outras horas, outros vestidos,
outras tardes e chás...
Entre as mesas, o casal se rasgava em sensualidade em um
tango marcial, elegante, com a nobreza dos simples. Como o samba, o tango é o
momento de glória dos menos gloriosos...
Em uma banca quase hippie, havia facas e anéis de aço, não
de ouro ou prata. Sim, o aço que é razão de ser dos dias de trabalho da minha
amada, produzido com o minério que deu vida ao lugar para o qual dedico os meus
dias de labuta. Trabalho é, para nós, valor forjado por todos os dias, por toda
a vida.
Ali, em Santelmo, naquela praça estava nosso templo, nosso
altar, nossa música e nossa aliança. Era a hora de sacramentar, tornar sagrado
o nosso amor... Hora do sim!
No meu espanhol mímico, cheio de erros mas, sem perder o
sotaque portenho e a imponência, pedi que anônimos da mesa ao lado
testemunhassem o momento, com o celular da minha amada.
Cuidadosamente, repeti as palavras mágicas enquanto
entregava a aliança de metal. Rebeca fez o mesmo e nos declaramos casados.
A magia se alastrou pela praça e outras pessoas das mesas ao
nosso redor, ao final da cerimônia, aplaudiram os noivos.
Jamais esqueceremos aquele instante. Por isso mesmo,
recriaremos o ritual sempre que o coração disser “sim”, em outras praças,
outros países e outras tardes mágicas.
Se por mil vezes essas três letras percorrerem nossas veias,
como os relógios, xícaras e camafeus de Santelmo, diremos um ao outro:
Prometo amar-te e respeitar-te e permanecer ao seu lado por
todos os dias da minha vida....
Não se intimide caro leitor... Pode aplaudir!