segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Respostas fáceis



A droga contemporânea mais poderosa é a ideia que vivemos num mundo fácil de resolver

Jamais senti-me tão isolado em pensamentos e opiniões. Chega a ser perturbador, por um lado mas, por outro, faz pensar, refletir. O fato é que nos tornamos criaturas discursivas e somos cobrados por posições, antes irrelevantes para nós mesmos e o mundo. Cobrados por coerência, escolha, direção. É um mundo cheio de palavras e vazio de ações. Cheio de certezas e vazio de bons questionamentos. Adoraria escolher lados, explicar o mundo em um parágrafo e estar certo sobre as coisas. Mas, nem sempre o caminho simples é aquele que leva a algum lugar.

Quando um Donald Trump torna-se presidente eleito da Nação que lidera o mundo ocidental, o bloco ao qual pertencemos, contrariando previsões e institutos de pesquisa, analistas e especialistas de toda ordem, resta a pergunta: por que? Como poderia ser esse o mesmo País com uma democracia inabalável sustentada por uma Constituição centenária; o cenário de avanços tecnológicos fantásticos; a Pátria que elegeu Obama por duas vezes????

Aí vem a resposta fácil: Nos EUA há alguns milhões de fascistas que pensam e agem como o próprio presidente eleito. Há uma maioria homofóbica, burra e mentirosa. Um contingente com mais de 40 milhões de criaturas preconceituosas que gostariam de mandar para o inferno o primeiro imigrante ou muçulmano que cruzar o seu caminho.

Quem dera fosse tão simples explicar o mundo dessa forma. Mas, não é. Não faz sentido que assim seja. Essa corrida conservadora, essa guinada à insanidade, tem raízes bem mais profundas do que o caminho simplista retratado anteriormente. Não fosse assim, o mesmo fenômeno não teria versões semelhantes em outras partes do mundo, em um processo de conservadorismo galopante.

A ideia de recolher as velas, olhar para o próprio umbigo, se fechar em copas (como diriam os antigos) é sempre retomada quando as perguntas ficam sem respostas. Quando as teorias deixam de solucionar problemas e transformam-se em mera retórica, o pobre bicho homem se apega ao que tem e lhe parece sólido – seus princípios, seu chão, sua referência maior.

Muita coisa deixou de fazer sentido nos últimos anos. Como disse Salman Rushdie - o poeta maldito do Islã - de 11 de setembro de 2001 para cá, o mundo trocou definitivamente a liberdade por segurança como valor maior. Em outras palavras, sentir-se longe de ameaças, bombas e aviões despencando do céu, é mais importante que discutir as razões e causas profundas que nos colocam nesse estado de medo.

Ao mesmo tempo, passamos a conviver em rede global, conectados por um tijolinho tolo, um grilo falante que não nos deixa em paz, ao alcance de toda a sorte de ignorância. Ao medo, respondemos rápido, com uma injeção lisérgica para provocar aquele estado de conforto da alma e satisfação dos instintos animais e básicos de defesa da espécie e do território.

Assaltantes surgem tombando em meio aos carros nas redes sociais com um mundo inteiro comemorando no silêncio discursivo do touch screen. Matar é eliminar o problema rápido. E o nosso Bolsonaro galopa em popularidade justificando a violência, defendendo torturadores, negando a história e reescrevendo tudo com tintas truculentas e preconceituosas.

Para os bandidos do colarinho branco, a receita é cana. Vê-los atrás das grades é a vingança social que tanto esperamos depois de anos de violência contra as contas públicas. Não importa o quanto vamos recuperar do que foi roubado, desde que eles sejam presos, ainda que só por alguns anos. A imagem das algemas e do camburão são um conforto, um alento.

E tem a tal da delação. De novo, não importa o que seja delatado nem como. Também não é necessário que a caguetagem se mantenha em sigilo até a sua comprovação. Vale abrir a torneira e expor, escancarar, antes que eles escapem!!!!! Vamos dançar sobre o aniquilamento da imagem alheia como canibais que comemoram a prisão do colonizador – agora refeição para a tribo. São todos ladrões mesmo... Que queimem lentamente sob o nosso canto de guerra.

Quando vejo tanta delação premiada fico pensando como dizer a uma criança que delatar não é bacana. Não é bonito. Como explicar que, se o guri for pego colando, deve sofrer as consequências do seu malfeito sem entregar o colega? Que lealdade é um valor importante? Que o delator é o pior dos bandidos porque entrega seus comparsas em benefício próprio?

Aí tentamos explicar olhando para antigos líderes. À direita dizem que estamos limpando o que restou de um projeto criminoso de poder. À esquerda garantem que vivemos um tempo de exceção, de sequestro da democracia, um golpe sem tanques. E ambos, sem inocentes nem algozes, pipocam entre delatores e delatados. Ambos disseram que tinham a cura e se revelaram, em boa medida, a própria doença.

Cada qual ao seu tempo, ao seu jeito, com o seu discurso, direita e esquerda, no Brasil e no mundo, falharam. 
Tropeçaram na tal da globalização que só fez descentralizar a miséria e concentrar a riqueza. Aí, quando os porões sacodem a poeira, quando a senzala balança as correntes, todos correm amedrontados.

E quanto maior o medo, mais simples as respostas. Tudo culpa dos black blocs, dos adolescentes que ocupam escolas, dos vagabundos que não querem trabalhar e ficam fazendo manifestações e greves. Ou, se preferir uma resposta à esquerda, tudo já era previsto com esse governo ilegítimo e seus comparsas. Agora eles vão suprimir direitos, esmagar investimentos sociais e aposentadorias.

Ok, ok. Mas qual seria mesmo o caminho? Nenhum dos lados tem a resposta. A direita enfiou o mundo em uma lógica liberal que destruiu o planeta e aprofundou diferenças. A esquerda faliu com seus ministérios da verdade, mamando em tetas que sempre jurou combater. Ambos viraram as costas para a educação. De mãos dadas, ainda que com discursos antagônicos, querem para si um pedaço do Estado, com seus cargos e vazamentos.

A França, próxima fronteira das respostas prontas, é um bom exemplo. Ninguém merece a violência. Nem franceses, nem muçulmanos. Mas a solução é simples – basta eleger uma versão Trump e erguer um muro.

A inteligência foi sistematicamente abandonada pelas ideologias. Posta de lado em nome da truculência. A droga contemporânea mais poderosa é a ideia que vivemos num mundo fácil de resolver. Que o homem pode preterir a liberdade em nome de uma segurança mentirosa, de sistemas políticos de fachada e da representatividade esculhambada.

Se os americanos elegeram Trump, aqui consagramos o Branco para prefeito e o Nulo para vice com uma grande Câmara de ausentes, já em primeiro turno. O trocadilho confere. Brancos pela não-escolha, mas também brancos os que restaram, com seus valores da Casa Grande (vide Crivella). Nulo pelo não das urnas mas também nulo pela preguiça de pensar, raciocinar e escolher. E ausentes todos, mais preocupados com as Olimpíadas.

A complexidade é chata e sonolenta, mas necessária. É preciso pensar no mundo de 2030 quando, segundo a ONU, mais de 90% da população mundial viverá em cidades, amontoadas em concreto armado.

É preciso pensar em tolerância, diálogo e convivência de verdade. Em um jeito de entender e lidar com a organização horizontal, em rede, sem a hierarquia tradicional, que possibilita – ao mesmo tempo – a existência do Estado Islâmico, o junho de 2013 e a Primavera Árabe. Se queremos fazer política é assim que será ou, simplesmente, não será!

Temos que nos preparar para uma sociedade que envelhece mais e mais e, cada vez mais cedo, se vê perdida nas angústias de uma vida sem direção nem propósito. Pensar em ter tempo para usufruir do que construímos e não viver para construir mais e mais.... Isso, antes que o Alzheimer nos mande esquecer tudo!

Hora de parar e pensar em um sistema educacional longe das “grades” curriculares que aprisionam o vazio, em carteiras que organizam a burrice, nos cardumes de peixinhos felizes nadando para boca dos tubarões – salve Brecht.

Pensar no futuro é pensar na água e no tempo como grandes ativos. É entender a mobilidade como um bem em risco e a própria cidade como a maior expressão da política, uma vez que tende a adensar problemas e pessoas em igual proporção.

Quero discutir o que podemos fazer por uma economia colaborativa e menos competitiva. Livre, sempre, mas que não tenha como meta comum o acúmulo que enterrou o mundo em nome de meia dúzia de fantasmas que chamamos de “investidores”.

Quero entender a razão de milhões de pessoas praticarem o suicídio coletivo com o crack. Quero estudar como lidar com os grandes fluxos migratórios sem fechar fronteiras. Quero saber como deter o aquecimento global. Quero mergulhar em problemas com a alma e não o com esse torcicolo ideológico antiquado.


Mas, caro leitor, se você prefere respostas prontas, siga em frente. Escolha seu partido, seu apelido (coxinha, petralha...), vote no seu Trump e seja feliz. Só não abra o olho!!! Permaneça na Matrix!!! Assim como está terá sempre o conforto do antagonista, do suposto contrário, como ameaça maior que a sua própria ignorância!!!