segunda-feira, 26 de março de 2012

Geração em versos...



Quem um dia irá dizer que existe razão pras coisas feitas pelo coração....?

Perguntava aquele sujeito de voz grave que mexia os braços de um jeito próprio e inquietante. Ele perguntava e eu - com o meu coração dividido entre os olhos firmes da linda Cristiane e Lídia, a bela mestiça do Colégio Bandeirantes – repetia a pergunta tentando entender as besteiras que protagonizava naquele ano de Plano Cruzado e congelamento by Dilson Funaro.

Perdemos Tancredo, ganhamos Sarney.... Em São Paulo, Quércia mandava prender e soltar com o apoio dos ex-comunas do MR8. Dois anos depois, Erundina foi eleita prefeita. Em 89, o Brasil colloriu e, inevitavelmente, perguntávamos....

Que país é esse?

Mas nem tudo estava perdido. Alguém acreditava em democracia e lutava por ela. Nem que fosse apenas aquele estudante que parou um tanque de guerra na China ou outros tantos que ajudaram a derrubar o Muro de Berlim.

Mas, em terras tupiniquins, a Geração Coca-cola continuava perdida nas favelas do Senado, com sujeira pra todo lado. Eles achavam bonito aquele presidente subindo e descendo rampa enquanto seus capangas tiravam dinheiro do leitinho das crianças (literalmente) para pagar as calcinhas da primeira-dama mais cafona da história do Brasil.

Enquanto isso, em São Paulo, Rio e Brasília os morros perguntavam...

Ei menino branco o que é que você faz aqui?
Subindo o morro pra tentar se divertir
Mas já disse que não tem
E você ainda quer mais
Por que você não me deixa em paz?

Desses vinte anos nenhum foi feito pra mim
E agora você quer que eu fique assim igual a você
É mesmo, como vou crescer se nada cresce por aqui?
Quem vai tomar conta dos doentes?
E quando tem chacina de adolescentes
Como é que você se sente?

Mas alguém gritou e num brado retumbante neotropicalista, com Caetano cantando Alegria Alegria na rede Globo, despertamos, pintamos a cara e fomos para as ruas. Precisou de uma minissérie para acordar a molecada que resolveu brincar de protestar.
Teríamos o mundo inteiro
E até um pouco mais
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços
De vidro...


Juntava meus cacos com cinco empregos e um caminhão de sonhos ao sair da faculdade. Escolhi o jornalismo porque, afinal....

Não saco nada de Física
Literatura ou Gramática
Só gosto de Educação Sexual
E eu odeio Química
Química
Química
Fui repórter policial e conheci o mundo de um jeito especial, diria, atrás do banheiro. Isso mesmo! Onde ninguém quer entrar, ficar! A profissão me levou para os escombros do ser humano, um bicho que pode ser repugnante.

Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
cantam música urbana,
Motocicletas querendo atenção às três da manhã -
É só música urbana.
Os PMs armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repertir a música urbana.
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana


No meio dessa maluquice, da descoberta de um mundo podre e violento, alguém roubou meu olhar, meu fôlego, meus melhores pensamentos. Me apaixonei pela primeira vez! O nome era Silvia. Vivemos um amor lírico, intenso e cafona... Mas para que definir o amor? Os meninos de Brasília cantavam por nós...
É só o amor, é só o amor.
Que conhece o que é verdade.
O amor é bom, não quer o mal.
Não sente inveja ou se envaidece.


O amor é o fogo que arde sem se ver.
É ferida que dói e não se sente.
É um contentamento descontente.
É dor que desatina sem doer.
Silvia foi embora, claro. Levou os meus sonhos, meus pobres enganos, os meus vinte (e poucos) anos, o meu coração e, além de tudo, me deixou mudo um violão. Com a licença de Chico, dei um basta!

Cansei de tudo aquilo. Desacreditei do mundo, dos amores intensos e da profissão também. Presenciei velhos jornalistas virando pó, perdendo o que não tinham e, um belo dia, deixei tudo de lado para ganhar um pouco do vil metal. Mergulhei em um negócio de família e parti em busca da minha donzela com quem construiria o futuro que aprendi com meus pais. Achei!
Uma menina me ensinou
Quase tudo que eu sei
Era quase escravidão
Mas ela me tratava como um rei
Ela fazia muitos planos
Eu só queria estar ali
Sempre ao lado dela
Eu não tinha aonde ir


Dessa linda história de amor surgiu Luísa, minha obra de arte. Alguém que construímos com o zelo dos grandes artistas...
Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis que não chegamos a sujar
A armação fiz com madeira
Da janela do seu quarto
Do portão da sua casa
Fiz paleta e cavalete
E com lágrimas que não brincaram com você
Destilei óleo de linhaça
Da sua cama arranquei pedaços
Que talhei em estiletes de tamanhos diferentes
E fiz, então, pincéis com seus cabelos
Fiz carvão do baton que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte


Foram dez anos incríveis desses de construir e dividir sonhos. Anos cheios de simplicidades que fazem diferença na vida.
Vamos chamar nossos amigos
A gente faz uma feijoada
Esquece um pouco do trabalho
E fica de bate-papo
Temos a semana inteira pela frente
Você me conta como foi seu dia
E a gente diz um pro outro:
- Estou com sono, vamos dormir!


Vem cá, meu bem, que é bom lhe ver
O mundo anda tão complicado
Que hoje eu quero fazer tudo por você
Mais um ciclo se fechou e algumas velhas canções voltaram a fazer sentido. Era a hora de descobrir um sujeito esquecido em algum lugar entre uma música e outra. Hora de resgatar uma legião de versos e dizer bom dia para todas as dúvidas.

E deixar o equilíbrio ir embora
Cair como um saxofone na calçada
Amarrar um fio de cobre no pescoço
Acender o intervalo pelo filtro
Usar um extintor como lençol
Jogar pólo-aquático na cama
Ficar deslizando pelo teto

Ao lado da pequena Luísa, também apaixonada por Renato Russo e suas excentricidades vivi momentos decisivos ao som de Legião cantando alto, com as janelas fechadas, os novos tempos com velhas músicas.
Vendo Renato Rocha, baixista da formação original do Legião Urbana mendingando nas ruas do Rio de Janeiro, me pergunto: Como nenhum daqueles versos foi capaz de corrigir o destino desse moço? Dele saíram todos os "graves" da minha vida... Afinal, o que aconteceu?

A vontade que me toma de assalto é de ir até lá e chacoalhar a cabeça do sujeito e dizer o quanto ele foi importante para toda a minha geração.
Dizer que, a cada vez que corrijo os meus próprios rumos, resgato entre as suas canções uma que faça sentido e sigo em frente.

Talvez simplesmente repetir...
O que foi escondido
É o que se escondeu
E o que foi prometido
Ninguém prometeu
Nem foi tempo perdido
Somos tão jovens...


Tão Jovens! Tão Jovens!...


6 comentários:

  1. Ronald, lindo isso! Emocionante! Ja admirava seu trabalho " oficial " , agora fiquei sua fã!

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  2. ronald, que emoção ver vc escrevendo assim. eu vou com vc ate o rio falar com ele..celina

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  3. Bacana mesmo.... Quase deu pra ouvir as canções que saltaram da tela em meio à sua bela história...

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  4. Olivia Yassudo Faria27 de março de 2012 às 07:37

    Que lindo querido, tão raro encontrar por aqui jornalistas que ainda tocam com suas palavras. Mas triste saber que mais um que encaminhou tanta gente se desencaminhou.
    Olivia

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  5. Caríssimas!!! Muito, muito obrigado.... e viva o legião... bjs

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  6. Acordar na realidade e com poesia, é a vida! E "é bonita, é bonita"! obrigada, Patrícia

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