Ontem recusei dois convites. Uma amiga solidária me chamou para uma
pizza e meu irmão, para o boteco de sempre.
Queria ir pra casa e escalar a
Montanha Mágica, de Thomas Mann, para encontrar lá em cima meus amigos Hans
Castorp e Sr. Setembrini – companheiros desse ano não menos mágico que tenho
vivido. Queria ouvir Beethoven e dormir com o livro no peito.
Depois de uma salada, separei o CD
e..... a luz piscou, piscou, apagou....
Rapidamente, na escola em frente ao
meu prédio, os alunos fizeram a maior algazarra...
Ascendi algumas velas que restaram de
uma noite inesquecível, servi uma dose da minha melhor cachaça e deitei-me no
sofá, atento aos pequenos ruídos....
Adormeci rápido e só despertei com um
telefonema da minha mãe informando sobre o tamanho do apagão.
Preocupado, repassei a notícia para
aqueles que importam e poderiam correr riscos, com a falta de informação que a
eletricidade interrompeu.
Depois de outro telefonema carinhoso,
deitei-me novamente, com o sono roubado e mergulhei em lembranças.
Voltei aos meus 16 anos, em uma
expedição no PETAR – Parque Ecológico e Turístico do Alto Ribeira (nunca
esqueci essa sigla...).
Nesse lugar repousam cavernas in
natura, patrimônio natural dos mais belos.
Viajei com a turma do colégio.
Namorava uma certa Pagu, cujo nome não me lembro, mas o apelido e a
personalidade remetem à musa revolucionária dos modernistas.
- Tenho
esse defeito – pensei – desde cedo me apaixono por mulheres fortes.
Na caverna de Santana, o espeliológo
que nos guiava, um certo Zuquim, propôs que desligássemos os lampiões de
carbureto e nos afastássemos fisicamente para um minuto de silêncio.
Não era necessário fechar os olhos
porque, na escuridão da caverna, olhos fechados ou abertos não fazem a menor
diferença.
Eu e Pagu descruzamos as mãos e
silenciamos. Segundos depois, um grito rompeu o silêncio. Com os lampiões
acesos novamente, o guia revelou que nunca conseguira um minuto de silêncio, em
mais de cem expedições como aquela.
- Ficar
só, absolutamente só, é muito difícil – concluiu o sujeito. Não suportamos
tamanha introspecção.
Voltando à minha escuridão particular,
resolvi refazer o exercício.
- Me gustas cuando callas porque estás como ausente,
diria Neruda.
Silenciei o cérebro, apaguei tudo,
tudo mesmo... apenas por um minuto. O barulho dos carros foi desaparecendo e
tudo foi ficando estranhamente escuro e suave, como aquela caverna.
Lá estava eu, sozinho, novamente..
Desta vez não havia amigos, Pagu e nem
a certeza da volta ao acampamento, do violão e a fogueira. Mais de 20 anos
separavam as duas noites. As ilusões ficaram todas na caverna. Mas muitos sonhos
sobreviveram.
Se pudesse, faria tudo outra vez, cem
vezes... Não porque sempre fui feliz, mas porque vivi demais e intensamente
entre uma noite e outra. Porque sou o resultado dessa longa viagem.
Entre o silêncio total e o sono que
veio em seguida consegui, como poucas vezes, ouvi a voz da minha alma.
E acredite, caro leitor, acredite:
Ela grita!!!!!!!!
Nenhum comentário:
Postar um comentário