sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O apagão, o silêncio e o grito (*)



(*) Escrito em novembro de 2009, após o apagão... 

Ontem recusei dois convites. Uma amiga solidária me chamou para uma pizza e meu irmão, para o boteco de sempre.

Queria ir pra casa e escalar a Montanha Mágica, de Thomas Mann, para encontrar lá em cima meus amigos Hans Castorp e Sr. Setembrini – companheiros desse ano não menos mágico que tenho vivido. Queria ouvir Beethoven e dormir com o livro no peito.

Depois de uma salada, separei o CD e..... a luz piscou, piscou, apagou....

Rapidamente, na escola em frente ao meu prédio, os alunos fizeram a maior algazarra...

Ascendi algumas velas que restaram de uma noite inesquecível, servi uma dose da minha melhor cachaça e deitei-me no sofá, atento aos pequenos ruídos....

Adormeci rápido e só despertei com um telefonema da minha mãe informando sobre o tamanho do apagão.

Preocupado, repassei a notícia para aqueles que importam e poderiam correr riscos, com a falta de informação que a eletricidade interrompeu.

Depois de outro telefonema carinhoso, deitei-me novamente, com o sono roubado e mergulhei em lembranças.

Voltei aos meus 16 anos, em uma expedição no PETAR – Parque Ecológico e Turístico do Alto Ribeira (nunca esqueci essa sigla...).

Nesse lugar repousam cavernas in natura, patrimônio natural dos mais belos.

Viajei com a turma do colégio. Namorava uma certa Pagu, cujo nome não me lembro, mas o apelido e a personalidade remetem à musa revolucionária dos modernistas.

-   Tenho esse defeito – pensei – desde cedo me apaixono por mulheres fortes.

Na caverna de Santana, o espeliológo que nos guiava, um certo Zuquim, propôs que desligássemos os lampiões de carbureto e nos afastássemos fisicamente para um minuto de silêncio.

Não era necessário fechar os olhos porque, na escuridão da caverna, olhos fechados ou abertos não fazem a menor diferença.

Eu e Pagu descruzamos as mãos e silenciamos. Segundos depois, um grito rompeu o silêncio. Com os lampiões acesos novamente, o guia revelou que nunca conseguira um minuto de silêncio, em mais de cem expedições como aquela.

-       Ficar só, absolutamente só, é muito difícil – concluiu o sujeito. Não suportamos tamanha introspecção.

Voltando à minha escuridão particular, resolvi refazer o exercício.

-  Me gustas cuando callas porque estás como ausente, diria Neruda.

Silenciei o cérebro, apaguei tudo, tudo mesmo... apenas por um minuto. O barulho dos carros foi desaparecendo e tudo foi ficando estranhamente escuro e suave, como aquela caverna.
Lá estava eu, sozinho, novamente..

Desta vez não havia amigos, Pagu e nem a certeza da volta ao acampamento, do violão e a fogueira. Mais de 20 anos separavam as duas noites. As ilusões ficaram todas na caverna. Mas muitos sonhos sobreviveram.

Se pudesse, faria tudo outra vez, cem vezes... Não porque sempre fui feliz, mas porque vivi demais e intensamente entre uma noite e outra. Porque sou o resultado dessa longa viagem.
Entre o silêncio total e o sono que veio em seguida consegui, como poucas vezes, ouvi a voz da minha alma.

E acredite, caro leitor, acredite:

Ela grita!!!!!!!!

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