domingo, 4 de setembro de 2011

Porquinho de Colónia



Sempre gostei da idéia de freqüentar lugares. Gosto de lugares, às vezes, mais do que pessoas. Pedaços de chão têm mais energia do que muita gente sem graça.
Na minha infância, minha mãe apelidou-me de “porquinho de colónia”. O acento é esse mesmo, porque a palavra era pronunciada com um sotaque muito particular da cidade onde nasci, São Caetano do Sul.
São Caetano Di Thieni – nome de fundação – é um pedacinho de chão na Grande São Paulo com enorme densidade demográfica e uma das mais expressivas comunidades italianas do Brasil.
Lá, ônibus é ónibus, colônia é colónia, novela é drama, Antonieta é Tune e Ronald é RRRoninho...
Os colonos que fundaram São Caetano criavam porcos e, alguns deles, ganhavam status de animais de estimação, vagando de casa em casa. Não havia quem tivesse coragem de abater os tais porquinhos... Pelo contrário! Todos alimentavam os animais, tratados como os cães e gatos de hoje.
O porquinho de colónia não tinha morada fixa e adorava freqüentar lugares... De fato, sou um pouco assim.
Frenquentei muito a casa “dos carecas” no Guarujá. Um lugar bonito, com um lindo jardim e churrascos quase diários. Até hoje, não sei bem quem eram aqueles caras, mas eles gostavam da idéia do moleque engraçado, participando de tudo.
A casa de André Luis da Silva Barros, amigo de infância, também era muito especial pra mim. Um lugar enorme, com um quintal de terra batida. O sujeito, amigo de infância, promovia festas de aniversário memoráveis, com Lucia, sua irmã, ao piano.
Mais tarde, passei a freqüentar parques, cinemas, museus... O Centro Cultural Vergueiro guarda uma boa memória. Uma biblioteca linda, moderna, em concreto armado e aquele anfiteatro onde acontecia a semana Elis Regina – delícia ouvir João Bosco, ao vivo e de graça.
Mas foi na minha adolescência que, de fato, comecei a freqüentar os lugares que marcaram a minha vida e deram forma ao adulto que sou hoje: os bons botequins....
Desde o bar do Zé em frente ao Colégio Tabajara – cujo nome foi devidamente solapado pelas piadas televisivas – passando pelo bar do Tigrão – dono de uma deliciosa receita de caldo de mocotó – até o bar copo gelado – cujo nome não me lembro, onde descobri as vantagens de manter tulipas dentro do freezer.
Depois foi a vez do Fama, um karaokê na rua Jamaris, em Moema. Um lugar cafona, cheio de gente que achava que sabia cantar. Pudim era o apelido do DJ. Esse sujeito, sim, cantava lindamente e, quando pegava o microfone, espantava os aventureiros. 
Cada freqüentador tinha a sua música predileta. A minha era Wave. Por sorte, não mantenho contato com companheiros daquele lugar que pudessem recordar esse meu lado “artístico”.
Pelas graças do meu irmão mais velho, descobri o Shampoo, uma danceteria típica dos anos 80, com mulheres que usavam ombreiras e homens com hormônios descontrolados. Símbolo do lugar, o drink Lagoa Azul manchava camisas e línguas e provocava um desconforto muito particular no dia seguinte.
Aos 19 anos, mudei de casa e de ritmo. Fui para a Toca do Coelho, um sambão com pagode de mesa. Lá, conheci Jussara, mulata linda, que um dia me disse:
- Vem cá branquinho que eu te ensino a sambar.
Lustrava meus sapatos, metia um chapéu de bamba e caía no samba.... Tempo lindo, esse...
Saí da Toca e freqüentei outros tantos lugares.... Sempre tratado pelo nome, com distinção, carinho e respeito.
A palavra do garçom, a gentileza do maitre, o carinho dos companheiros de copo...
Mais recentemente, dois lugares ganharam um significado especial pra mim. O Piratininga, bar da Vila Madalena, é um deles. O bom Raimundo nos recebe a todos com sua boina italiana... Garçon cheio de charme, bons conselhos e um jeitão de pai.
No balcão, Passarinho, sujeito habilidoso, autor de uma marguerita deliciosa que usa um panamá de aba redonda.  Tem também o Pelé, garçom que guarda nas mangas sugestões especiais e cuidados... nunca deixa o copo esvaziar. No caixa, Lena. Figura quase paranormal escondida em um nicho sob a escada percebe e registra cada movimento
O melhor  do bar, Olmair Raposo, músico de qualidade – raridade na noite paulistana – percorre os dedos no seu piano como se o amanhã não existisse. Na minha chegada, entoa Luísa, de Tom Jobim, em homenagem à minha pequena.
Lá conheci Priscila, em uma doce confusão com um certo Renatinho, músico das relações de Olmair que iria comemorar dois anos de música, à frente daquele piano retrô.
Ela disse:
Renatinho!!! – com olhar surpreso.
Não me contive e inventei uma história. Falei que era amigo do cara e tudo mais.... Na noite seguinte, lá estava minha Priscila, minha princesa. Renatinho também...
Por ela me apaixonei, mas isso só foi possível porque tive a coragem de freqüentar aquele lugar. Fazer-me conhecido, amigo, pontual... De algum modo, conquistar o coração de Priscila e daquela gente bacana que dá cor e luz às noites de terça e quarta, na Vila Madalena.
O mesmo bairro, tocou meu coração dia desses. Um certo Julinho, sujeito simpático de fala mansa e gentil abriu seu canto. Ele mora na sobreloja do próprio bar... Quanta inveja, para um boêmio...
Julinho tem uma campainha à porta e pergunta aos freqüentadores:
- Quem é?
Isso mesmo! A síntese da idéia de freqüentar! Ser reconhecido, e só entrar quando lhe é permitido!
No Julinho Clube, rola um samba de primeira, gente bacana e honesta, cerveja gelada e comidinhas gostosas. Mas isso, tem em todo lugar.
O que importa é que no Julinho, o negócio é freqüentar! Disso eu entendo e gosto!
Palavra de porquinho de colónia!!!!

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