sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Despedida....


Conheci este cara aos 12 anos. Fátima, uma linda ruiva – minha vida está marcada por elas – apresentou-me a ele. Ela era muuitoo mais velha, tinha 15, quase uma mulher.  Seu aval foi importante para o início dessa amizade. Logo no primeiro contato, nos entendemos bem, parecíamos íntimos.

Amigos de verdade quando chegam são assim. Não têm muito pudor. Naquela época, eu era o único pré-adolescente da turma que me relacionava com ele. Um baita status para um pirralho.

Acabara de chegar de Santo André, cidade da região do ABC com hábitos provincianos e jeitão de interior desenvolvido.  Ali meu amigo era bem pouco conhecido e, para ser sincero, não gozava de boa fama.

Quando cheguei em Moema, havia um novo mundo a descobrir. Um mundo com atrações incríveis, perigos e aventuras. O maravilhoso mundo do Shopping Center. Conheci todos eles naqueles anos 80.

Ibirapuera, quadrado e fácil de localizar as lojas, tinha atrações como as Lojas Americanas, alvo fácil para pequenos furtos de balas e chicletes.  No último piso, o Pastel&Coke, que servia uma maravilha de banana com um balde de coca-cola.

Matava as aulas do velho e bom Instituto de Ensino Tabajara e seguia para o Shopping, com meu parceiro e amigo inseparável. Quando não encontrava o chapa, era fácil localizá-lo entre amigos comuns.

Assim também acontecia no Morumbi, com sua pista de patinação no gelo e no Eldorado e aquele Boulevard vintage, na época , algo muito sofisticado.

Meu amigo também estava comigo nos parques,  onde levei as primeiras namoradas para beijar recostado em árvores ou à beira do lago.

Seguimos juntos, ginásio a fora, colegial e tudo mais. Esse cara, ousado, invadia a escola e chegou a render advertências e suspensões que escondi habilmente dos meus pais.

Quando entrei na faculdade, ele já estava entre os professores. Tinha um jeitão intelectual, descolado e charmoso. Homem feito, freqüentava as melhores rodas e sempre me levava com ele.

Mais tarde, formado, fui seu “foca” em redações  de rádio como Jovem Pan, Trianon e jornais como Folha da Tarde e Shopping News. Nos momentos mais tensos foi ele que me amparou, sempre com uma boa idéia e uma palavra calmante.

Descobri ao lado dele minha primeira paixão. Me aconselhei com o amigo:

- Vai que, se der errado, estarei por aqui – disse ele.

Dito e feito. Quebrei a cara. E lá estava meu amigo a me consolar.

Confiava tanto nesse sujeito que, quando não sabia como me aproximar de uma mulher, ele entrava no circuito e resolvia o problema.

Aos 26 anos, me casei e ele foi padrinho. Estava comigo na cerimônia e na festa até o final. Foi nesse momento que nossa amizade sofreu o seu primeiro abalo.

Começava a circular por aí que aquele amigo de todas as horas tinha um lado ruim, marginal. Amigos comuns passaram a afastar-se do sujeito e bastava que estivesse com ele para que alguém olhasse torto e até fizesse um comentário maldoso.

Era o início da decadência. Vi meu amigo publicamente enxotado, com fotos e frases contrárias por todos os lados.

Ele foi personagem de páginas policiais, documentários e longas matérias nas revistas semanais. Só um grupo muito restrito permaneceu ao seu lado nesse momento difícil.

Resisti bravamente, mas tudo tem um limite. Quando começaram a chamá-lo de assassino, tive que por um fim em nossa amizade.

Minha esposa anunciava a gravidez e, nessa nova condição, por mais que gostasse do meu amigo, não poderia me dar ao luxo de ter alguém assim dentro de casa.

Surge a minha segunda ruiva. Luísa não o conheceu até os 9 anos. Sabia seu nome, mas não queria nem ouvir falar no cara.

Um dia, em uma mesa de bar, ele chegou cabisbaixo e choroso. Confessou as bobagens da vida e pediu um lugar, um papo.  Não consegui negar.

Passamos a nos encontrar mais nos finais de semana, depois almoços, happy hours e, quando menos esperava, renovamos essa amizade.

Nos últimos três anos, tentei recolocar o sujeito no meu convívio social, nas minhas rodas, sempre em vão. Quando ele chegava, tinha que sair de onde estava porque, nem eu, nem ele, nos sentíamos a vontade para lidar com olhares de reprovação.

Na manhã deste 30 de novembro, ele esteve em minha casa para uma despedida. Melancólico, chegou cedo e disse que não me encontraria mais. Antes, no entanto, lembramos de aventuras e desventuras que curtimos juntos por esses 19 anos, quase metade da minha vida.

Ele se foi...

Parei de fumar e perdi o maior companheiro que já tive. Do ócio criativo à melancolia, passando por comemorações e perdas, nascimentos e mortes, ele sempre esteve ao meu alcance.

Como tudo na vida termina, chegou a hora de dar adeus ao companheiro. Só os fumantes sabem porque é tão difícil deixar o cigarro.

Como diz a canção “o cigarro, o café e um trago – tudo isso não é vício. São companheiros da solidão e a gente ainda paga por isso”.

A despeito de todo o mal que “meu amigo” causou, a cada cerveja, a cada alegria, a cada tristeza, ele será lembrado.

Mais fácil seria, unir-me ao coro de linchamento. Não seria justo, nem verdadeiro.

Que vá em paz!

Nenhum comentário:

Postar um comentário