Conheci este cara aos 12 anos. Fátima, uma linda ruiva – minha vida está marcada por elas – apresentou-me a ele. Ela era muuitoo mais velha, tinha 15, quase uma mulher. Seu aval foi importante para o início dessa amizade. Logo no primeiro contato, nos entendemos bem, parecíamos íntimos.
Amigos de verdade quando chegam são assim. Não têm muito pudor. Naquela época, eu era o único pré-adolescente da turma que me relacionava com ele. Um baita status para um pirralho.
Acabara de chegar de Santo André, cidade da região do ABC com hábitos provincianos e jeitão de interior desenvolvido. Ali meu amigo era bem pouco conhecido e, para ser sincero, não gozava de boa fama.
Quando cheguei em Moema, havia um novo mundo a descobrir. Um mundo com atrações incríveis, perigos e aventuras. O maravilhoso mundo do Shopping Center. Conheci todos eles naqueles anos 80.
Ibirapuera, quadrado e fácil de localizar as lojas, tinha atrações como as Lojas Americanas, alvo fácil para pequenos furtos de balas e chicletes. No último piso, o Pastel&Coke, que servia uma maravilha de banana com um balde de coca-cola.
Matava as aulas do velho e bom Instituto de Ensino Tabajara e seguia para o Shopping, com meu parceiro e amigo inseparável. Quando não encontrava o chapa, era fácil localizá-lo entre amigos comuns.
Assim também acontecia no Morumbi, com sua pista de patinação no gelo e no Eldorado e aquele Boulevard vintage, na época , algo muito sofisticado.
Meu amigo também estava comigo nos parques, onde levei as primeiras namoradas para beijar recostado em árvores ou à beira do lago.
Seguimos juntos, ginásio a fora, colegial e tudo mais. Esse cara, ousado, invadia a escola e chegou a render advertências e suspensões que escondi habilmente dos meus pais.
Quando entrei na faculdade, ele já estava entre os professores. Tinha um jeitão intelectual, descolado e charmoso. Homem feito, freqüentava as melhores rodas e sempre me levava com ele.
Mais tarde, formado, fui seu “foca” em redações de rádio como Jovem Pan, Trianon e jornais como Folha da Tarde e Shopping News. Nos momentos mais tensos foi ele que me amparou, sempre com uma boa idéia e uma palavra calmante.
Descobri ao lado dele minha primeira paixão. Me aconselhei com o amigo:
- Vai que, se der errado, estarei por aqui – disse ele.
Dito e feito. Quebrei a cara. E lá estava meu amigo a me consolar.
Confiava tanto nesse sujeito que, quando não sabia como me aproximar de uma mulher, ele entrava no circuito e resolvia o problema.
Aos 26 anos, me casei e ele foi padrinho. Estava comigo na cerimônia e na festa até o final. Foi nesse momento que nossa amizade sofreu o seu primeiro abalo.
Começava a circular por aí que aquele amigo de todas as horas tinha um lado ruim, marginal. Amigos comuns passaram a afastar-se do sujeito e bastava que estivesse com ele para que alguém olhasse torto e até fizesse um comentário maldoso.
Era o início da decadência. Vi meu amigo publicamente enxotado, com fotos e frases contrárias por todos os lados.
Ele foi personagem de páginas policiais, documentários e longas matérias nas revistas semanais. Só um grupo muito restrito permaneceu ao seu lado nesse momento difícil.
Resisti bravamente, mas tudo tem um limite. Quando começaram a chamá-lo de assassino, tive que por um fim em nossa amizade.
Minha esposa anunciava a gravidez e, nessa nova condição, por mais que gostasse do meu amigo, não poderia me dar ao luxo de ter alguém assim dentro de casa.
Surge a minha segunda ruiva. Luísa não o conheceu até os 9 anos. Sabia seu nome, mas não queria nem ouvir falar no cara.
Um dia, em uma mesa de bar, ele chegou cabisbaixo e choroso. Confessou as bobagens da vida e pediu um lugar, um papo. Não consegui negar.
Passamos a nos encontrar mais nos finais de semana, depois almoços, happy hours e, quando menos esperava, renovamos essa amizade.
Nos últimos três anos, tentei recolocar o sujeito no meu convívio social, nas minhas rodas, sempre em vão. Quando ele chegava, tinha que sair de onde estava porque, nem eu, nem ele, nos sentíamos a vontade para lidar com olhares de reprovação.
Na manhã deste 30 de novembro, ele esteve em minha casa para uma despedida. Melancólico, chegou cedo e disse que não me encontraria mais. Antes, no entanto, lembramos de aventuras e desventuras que curtimos juntos por esses 19 anos, quase metade da minha vida.
Ele se foi...
Parei de fumar e perdi o maior companheiro que já tive. Do ócio criativo à melancolia, passando por comemorações e perdas, nascimentos e mortes, ele sempre esteve ao meu alcance.
Como tudo na vida termina, chegou a hora de dar adeus ao companheiro. Só os fumantes sabem porque é tão difícil deixar o cigarro.
Como diz a canção “o cigarro, o café e um trago – tudo isso não é vício. São companheiros da solidão e a gente ainda paga por isso”.
A despeito de todo o mal que “meu amigo” causou, a cada cerveja, a cada alegria, a cada tristeza, ele será lembrado.
Mais fácil seria, unir-me ao coro de linchamento. Não seria justo, nem verdadeiro.
Que vá em paz!
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