Marcos é engraxate e não sabe nadar. Ele está tentando mudar
de vida, mergulhar no mundo da corretagem. Aos finais de semana, trabalha em um
lançamento imobiliário na Zona Leste e está prestes a realizar um grande sonho –
o rapaz quer ser surfista.
O sonho veio do apelido, Surfista, que ganhou dos amigos da “vila”
graças a seu visual despojado, com uma elegância jovial que talvez nem ele
saiba reconhecer.
O rapaz fatura 50 reais por dia engraxando cuidadosamente sapatos
na Vila Madalena. Se conseguir vender o imóvel, vai embolsar uma comissão de
cinco mil reais, o equivalente a uma centena de dias trabalhados e alguns
milhares de sapatos lustrosos.
Engraxate é dessas profissões cheias de dignidade que
resistem aos novos tempos. Um sapato bem engraxado é algo bonito de usar e não
há alternativas modernosas que substituam a escova e a flanela.
Ali, sentado em sua mala de trabalho, ele conta do seu sonho
e diz que, em Santos, há uma escola de surfistas que não cobra nada. O menino
pergunta:
- Santos é longe?
Penso muito para responder. Afinal, Santos é longe? Longe do
que? Longe de quem? Qual a distância entre a caixa de sapatos e a prancha de
surf?
Essa distância já foi bem menor, isso é fácil afirmar.
Comecei a vida como Office-boy, ofício nobre.
Presidentes de grandes empresas começaram assim e sabiam valorizar
aqueles meninos que, antes do surf, sonhavam com o posto de auxiliar de
escritório.
Vieram os motoboys, marmanjos explorados, que terceirizam a
sua esperança em empresas que podem prometer apenas o valor da corrida. No
futuro, um motoboy será, no máximo, um motoboy, se der a sorte de sobreviver.
Para ele, Santos é aquela alameda dos Jardins.
Quando era garoto desejei muito ter a minha própria caixa de
engraxate. Alguns amigos tiveram a sua e faturaram bons trocados na vizinhança.
Para todos nós, meninos de classe média, bem nascidos e nutridos, Santos nunca
foi muito longe.
Mesmo assim, aprendemos a valorizar o trabalho desde cedo.
Muito provavelmente porque encontramos pela vida aqueles que também valorizavam
o que fazíamos. Na rua, engraxando ou levando documentos, aprendemos muito.
Aprendemos a nos resguardar, evitando trombadinhas e
batedores de carteira (mundo romântico esse, de ladrões pouco agressivos, até
habilidosos). Aprendemos a solidariedade, pagando as contas dos colegas boys
para não perder o horário do banco.
Como era bom, no final do mês, ter um dinheirinho para pagar
o cinema da namorada ou a pipoca da praça. É... Santos era ali na esquina...
Outros engraxates cruzaram o meu caminho ao longo da vida.
Um deles, muito especialmente, ajudou-me a compreender uma grande lição de
jornalismo.
O chefe era Fernando Vieira de Mello, homem genial, de
personalidade forte e convicções indestrutíveis. Eu era rádio-escuta, uma
espécie de Office boy da redação, o posto mais baixo daquele quartel.
Diretor de jornalismo da Jovem Pan, por 40 anos, Fernando
reinventou o rádiojornalismo, assumindo a audiência rotativa como princípio de
produção de notícias.
Eu assistia às reuniões de pauta esticando o ouvido na porta
da sala. Fernando era um filósofo do cotidiano. Tirava leite de pedra e tinha
uma idéia melhor do que a outra.
Mas, naquela manhã, o velho mestre estava irritado com a
postura burocrática dos repórteres da rádio. Passou bons minutos lendo aquele
calhamaço datilografado sem encontrar ali sequer uma boa idéia de matéria para
aquele dia.
Fernando explodiu!!! Rasgou
as folhas, disse que cada repórter deveria saber o que fazer, sem pauta
nenhuma. Saiu batendo os pés... Na porta flagrou-me assustado com a cena,
agarrou o meu braço e me arrastou rádio afora.
Resmungava e esbravejava em direção ao elevador. Dizia que
os repórteres eram todos uns idiotas sem iniciativa.
Já no térreo, segurando firme o meu ante-braço, sentenciou:
- Filho, vamos engraxar os sapatos!
Não ousaria discordar.
Seguimos pela Paulista e paramos diante do Parque Trianon,
onde meia dúzia de cadeiras esperavam os sapatos dos executivos da região.
Fomos saudados como reis, já que Fernando era cliente
assíduo. O engraxate começou o seu trabalho e o mestre puxou conversa:
- Como está o movimento? - perguntou.
- Ah, doutor, tá fraco, muito fraco... Aqui na Paulista não
tem mais ninguém tão elegante como o senhor. Só encontro o povo da minha “vila”,
todo mundo de tênis.
Pagamos os serviços prestados e Fernando, concluiu a aula:
- Tá vendo, filho, isso é pauta: a zona leste invadiu a
Paulista.
A mesma Zona Leste onde Marcos Surfista batalha pelo seu
sonho. Longe, muito longe de Santos, mas perto, bem perto da Paulista.
Naqueles meus 19 anos, eu não era um jornalista – não sabia
pautar, entrevistar e falava com a voz trêmula.
Mesmo assim percorri aquela
avenida.
Entre o engraxate e o surfista, a pauta e rádio-escuta, o diretor e seus repórteres, existe um caminho
a seguir, alguém que nos leva pelo braço e uma caixa a carregar.
Meu caro Marcos-surfista-engraxate, se um dia ler esse
texto, saiba:
Santos muda de lugar todos os dias! Hoje, pode parecer longe
demais. Amanhã, poderá estar bem perto e, depois, longe novamente. Essa
distância não importa!
Santos é enorme, do tamanho dos seus sonhos.... E, se
acredita que pode ser um surfista, você já o é, mesmo sem saber nadar...
Ah., querido...A mais pua verdade: "Santos muda de lugar todos os dias... " Os meus sonhos tem tambem muitos "Santos". Uns que ja visitei, uns que quero visitar e outros, tenho certeza, nem imagino quando e como me levarao. Uns estao tao perto...e outros tao longe... Mas o mais importante e que me conforta e saber que "Santos" definitivamente existe.
ResponderExcluirBjo gde, Bia
Belo texto!! Aliás, como sempre! Abcs
ResponderExcluirObrigado, Bia e PJ!!!!
ResponderExcluirah, demais! vou mandar para o fernandinho, posso?
ResponderExcluirana paula
claro que pode... você é parte dessa história. beijos
ResponderExcluirObrigado Ronald por escrever essa Histótia fantastica minha! valew abraços!
ResponderExcluirMarcos, é vc????
ResponderExcluirEu acredito Que ja sou um Surfista! Ronald Sem Saber ?NadaR! kkkkkkkkk''
ResponderExcluirPQ quem não sabe aprender Néh !
Ninguem Nasce Sabendo CertO!
abraços Fica com DeuS!
Isso mesmo, meu caro!
ResponderExcluirBons sonhos e boas ondas pra você!
abração
Igualmente pra vC!
ResponderExcluirFica Com Deus!
é Eu sim O MarcoS!