Naquela tarde, naquela sala, chorei
um choro menino, desses sem mais nem porque, que não se sabe bem, se dor ou
emoção, tristeza ou saudade.
Salas e templos são quase a mesma
coisa quando a oração toma conta do lugar. Pessoas unidas repetindo as mesmas
palavras, invocando o que tem de melhor, alcançam um pedaço do céu e tocam a
Deus com sua prece, com seu mantra.
Verdade seja dita, meu coração
sangrava. Sobre o altar da mesa de centro, estavam dezenas de sacrifícios e
oferendas que as escolhas da vida nos acumulam. Um passado que teimo em
transformar com minha prosa. Era o terço
da minha vida que ecoava....
A Ave Maria, repetida como poesia
era a mesma daquela missa que consagrou o vigário da velha paróquia do bairro
Jardim, onde recebi a primeira eucaristia, vestindo calça vinho e camisa branca
com gravata borboleta.
Após a celebração, brilhantemente presidida pelo
bispo da diocese, o coroinha receberia a
notícia da sua primeira grande perda, cuja saudade dá nome a este blog. Mesmo
que o tempo e a distância digam não, eu e meus irmãos ainda choramos aquele
momento.
Mal sabia que o sacerdote em
questão seria cogitado como Papa e seu protegido na catedral de São Bernardo
eleito o presidente mais popular da história do Brasil. Não importa. Naquele momento,
o acólito rezava por mais um minuto ao lado do seu avô, apenas isso....
Mas a sala e a mesa eram grandes o
suficiente para outras lembranças, bem mais leves e gostosas. Dos sobrinhos que
ainda me tratam como tio, dos tios e tias que ganhei de graça ao longo da vida.
A tia copeira da rádio Jovem Pan
que desviava o café antes mesmo de servir o dono da empresa. A tia do lanche
dos estúdios Maurício de Sousa que curou minha pneumonia com xarope de agrião e
mel. E como não lembrar a tia Jane, que me ensinou as primeiras letras.
Também ganhei esse cargo, quase
honorífico de tio, há pouco tempo, quando a bela Isabela batizou-me
eletronicamente como tal e fiquei todo orgulhoso. Matheus, Letícia, Amanda e
Larissa também me chamam assim...
Outras delícias da vida passeavam
entre as contas do terço: Bianca, minha afilhada por escolha dos seus
pais, e Bia, sua irmã, que me adotou
como padrinho por conta e risco.
Entre as crianças que não são mais
crianças, ali estava esse menino-homem que percorria as casas do bairro nas
novenas e pedia com fervor as graças mais simples diante da imagem de
Nossa Senhora, virgem que certamente
sorria com a inocência do seu filho. Era aquele menino que chorava no meio da
sala, sem entender a própria emoção.
Como o terço, a vida tem seus
mistérios. Custei a entender os momentos tristes que vivi e cheguei a rezar
pedindo misericórdia. Mas, em momento algum, duvidei que era preciso seguir a
ladainha sem perder a fé.
Assim foi quando Valtão nos deixou
e outros filhos de pais incríveis ofereceram-me o ombro. Meus irmãos por
escolha, Duda e Rogério, cruzaram antes essa ponte. Com eles, aprendi a rezar
minha saudade e aceitar meu luto.
Viver a perda é dos aprendizados
mais difíceis da vida. Talvez o grande desafio, sobretudo, depois da segunda
metade da existência, quando passamos a enxergar a própria finitude.
Se soubesse disso, talvez fosse
mais fácil esquecer a namorada que me deixou naquele carnaval de 91 e desfilou
faceira na Sapucaí, para a tristeza do moço de 20 anos e muita vaidade. Hoje,
rimos do episódio que outrora me consumia.
Outras paixões transformaram-se em
saudade. Outras saudades em nostalgia. Amigos novos vieram, velhos amigos se
foram. Essa é a contabilidade do tempo, a Salve Rainha do Rosário.
Esse talvez seja o mistério mais
inquietante do terço que chamamos vida: como o passado se transforma dia após
dia.
O segredo, revela-me baixinho Nossa
Senhora, é fazer de cada sala um templo, da cada lembrança uma oferenda e, de
cada prece, uma Ave Maria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário