sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Meu Terço (em memória de Gabriela Machado de Lima)




Naquela tarde, naquela sala, chorei um choro menino, desses sem mais nem porque, que não se sabe bem, se dor ou emoção, tristeza ou saudade.

Salas e templos são quase a mesma coisa quando a oração toma conta do lugar. Pessoas unidas repetindo as mesmas palavras, invocando o que tem de melhor, alcançam um pedaço do céu e tocam a Deus com sua prece, com seu mantra.

Verdade seja dita, meu coração sangrava. Sobre o altar da mesa de centro, estavam dezenas de sacrifícios e oferendas que as escolhas da vida nos acumulam. Um passado que teimo em transformar com minha prosa.  Era o terço da minha vida que ecoava....

A Ave Maria, repetida como poesia era a mesma daquela missa que consagrou o vigário da velha paróquia do bairro Jardim, onde recebi a primeira eucaristia, vestindo calça vinho e camisa branca com gravata borboleta.

Após  a celebração, brilhantemente presidida pelo bispo da diocese, o coroinha receberia  a notícia da sua primeira grande perda, cuja saudade dá nome a este blog. Mesmo que o tempo e a distância digam não, eu e meus irmãos ainda choramos aquele momento.

Mal sabia que o sacerdote em questão seria cogitado como Papa e seu protegido na catedral de São Bernardo eleito o presidente mais popular da história do Brasil. Não importa. Naquele momento, o acólito rezava por mais um minuto ao lado do seu avô, apenas isso....

Mas a sala e a mesa eram grandes o suficiente para outras lembranças, bem mais leves e gostosas. Dos sobrinhos que ainda me tratam como tio, dos tios e tias que ganhei de graça ao longo da vida.

A tia copeira da rádio Jovem Pan que desviava o café antes mesmo de servir o dono da empresa. A tia do lanche dos estúdios Maurício de Sousa que curou minha pneumonia com xarope de agrião e mel. E como não lembrar a tia Jane, que me ensinou as primeiras letras.

Também ganhei esse cargo, quase honorífico de tio, há pouco tempo, quando a bela Isabela batizou-me eletronicamente como tal e fiquei todo orgulhoso. Matheus, Letícia, Amanda e Larissa também me chamam assim...

Outras delícias da vida passeavam entre as contas do terço: Bianca, minha afilhada por escolha dos seus pais,  e Bia, sua irmã, que me adotou como padrinho por conta e risco.

Entre as crianças que não são mais crianças, ali estava esse menino-homem que percorria as casas do bairro nas novenas e pedia com fervor as graças mais simples diante da imagem de Nossa  Senhora, virgem que certamente sorria com a inocência do seu filho. Era aquele menino que chorava no meio da sala, sem entender a própria emoção.

Como o terço, a vida tem seus mistérios. Custei a entender os momentos tristes que vivi e cheguei a rezar pedindo misericórdia. Mas, em momento algum, duvidei que era preciso seguir a ladainha sem perder a fé.

Assim foi quando Valtão nos deixou e outros filhos de pais incríveis ofereceram-me o ombro. Meus irmãos por escolha, Duda e Rogério, cruzaram antes essa ponte. Com eles, aprendi a rezar minha saudade e aceitar meu luto.

Viver a perda é dos aprendizados mais difíceis da vida. Talvez o grande desafio, sobretudo, depois da segunda metade da existência, quando passamos a enxergar a própria finitude.

Se soubesse disso, talvez fosse mais fácil esquecer a namorada que me deixou naquele carnaval de 91 e desfilou faceira na Sapucaí, para a tristeza do moço de 20 anos e muita vaidade. Hoje, rimos do episódio que outrora me consumia.

Outras paixões transformaram-se em saudade. Outras saudades em nostalgia. Amigos novos vieram, velhos amigos se foram. Essa é a contabilidade do tempo, a Salve Rainha do Rosário.

Esse talvez seja o mistério mais inquietante do terço que chamamos vida: como o passado se transforma dia após dia.

O segredo, revela-me baixinho Nossa Senhora, é fazer de cada sala um templo, da cada lembrança uma oferenda e, de cada prece, uma Ave Maria.

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