sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Diante do espelho



A imagem do repórter policial na redação normalmente se confunde com o assunto que ele cobre. Os colegas, mesmo os mais preparados, não são capazes separar a violência presente na pauta do estereótipo do jornalista.
Paira sobre o pobre setorista uma aura soturna, sempre suspeita. Prevalece a idéia de que o sujeito pode romper a qualquer momento o seu controle emocional e pular na jugular do primeiro iniciante desavisado.
Provavelmente, este imaginário foi construído à custa do comportamento pouco ortodoxo da crônica policial na primeira metade do século XX. Os poucos que cruzaram a fronteira, alcançando a imprensa dita moderna, contam que, certa feita, os repórteres policiais do Diário da Noite, em comitiva, procuraram o velho Chatô para reivindicar melhores salários. O ‘Rei do Brasil’ teria retrucado:

-          Vocês têm a carteira dos Associados e estão pedindo aumento? – sugerindo a comum prática de extorsão como complementação de renda.

Presenciar cenas de tortura, fazer parte de comboios policiais violentos e participar dos desmandos do sistema de segurança, infelizmente, já fez parte do cotidiano de parte da imprensa. Entretanto, há décadas, a crônica policial se posiciona de forma radicalmente contrária a esse tipo de postura. Aliás, são os próprios repórteres de polícia os maiores denunciadores dos desmandos diários que se repetem em nome do combate ao crime.
Mesmo assim, a imagem do repórter continua distorcida entre os próprios colegas. Uma namorada, também jornalista, confessou que, em princípio, resistiu às minhas investidas – e não foram poucas – porque julgava que o meu comportamento poderia ser agressivo. Ela confidenciou que foi aconselhada por vários colegas a preservar uma certa distância em relação a mim.
Fiquei chocado. Só muitos anos depois, longe das redações, com a casca de pacato professor, parei para pensar sobre o assunto. Hoje, compreendo a postura de quem observa à distância – ainda que pequena – este tipo de trabalho.
Sem nenhuma pretensão científica, arrisco afirmar que há um misto de repulsa e atração gritando no fundo da alma de todo o jornalista quando o assunto é violência. De um lado, condenamos a força, o arbítrio, a truculência. De outro, observamos tudo bem de perto, relatamos os fatos com riqueza de detalhes, transformamos dramas humanos em sórdidas narrativas.
Mas quem, entre os jornalistas, tem a coragem de assumir os dois pratos dessa balança tão contraditória? Certamente não é o colunista social, nem o comentarista econômico. Para eles, o mundo se traduz em eventos e números. Só o repórter policial se atreve a cobrir a festa depois da briga; a noticiar o drama da pobreza depois da noite no bar. É a editoria de polícia que, afinal, revela o homem nos seus limites.
No início dos anos 90, um sujeito encantou as repórteres de uma rádio paulista depois de alugar um helicóptero para  despejar sacos de pétalas de rosa na sacada da namorada. As jornalistas disputavam a pauta para conhecer aquele símbolo de romantismo.
Anos depois, o mesmo dom Juan  matara outra moça que, como a primeira, não suportou alguém capaz de se anular tão absolutamente diante de uma paixão. Desta vez, foi o repórter de polícia o responsável pela cobertura. A colega que cobriu o romance em tom de conto de fada, não quis terminar a matéria.  Coube a ele, a difícil tarefa de explicar que os príncipes também viram sapos.
Talvez, a jovem jornalista tenha se reconhecido na pobre moça assassinada. Ela que defendeu os sentimentos do assassino diante da sua primeira frustração amorosa, cuja reação foi cobrir a ex-namorada de rosas e não de balas. Difícil chamar de criminoso alguém que ontem a fez suspirar.....
A melhor saída pode ser projetar o lagarto em quem está de frente para ele, no colega que cobriu o crime. Explicar que o domador representa, na verdade, o leão às avessas, é a melhor desculpa para não entrar na jaula.
De banqueta e chicote nas mãos, o repórter policial acaba sendo uma espécie de antena para o medo que o jornalista tem da sua faceta mais sádica.

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